Como Estragar uma Salada (e um País) com Achismos e Tomates

"Conhecimento é saber que o tomate é um fruto.

Sabedoria é saber que não se deve usar um tomate numa salada de frutas."


O meu avô dizia que um homem sem sabedoria é um homem sem tripas, e eu, miúdo ainda, sem perceber bem o que queria ele dizer com aquilo, imaginava um tipo qualquer dobrado sobre si, vazio, a barriga uma caverna oca onde ecoavam as palavras dos outros, que entravam por um ouvido e saíam pelo outro como se nunca tivessem existido.

O conhecimento, esse, qualquer um pode ter. Está nos livros, nos jornais, nas bocas dos professores, nas conversas de café ditas com o ar de quem sabe tudo sobre tudo, num tom de autoridade emprestado por meia dúzia de frases feitas. Saber que o tomate é um fruto não tem mérito nenhum, vem nos manuais de botânica, nas definições que um qualquer burocrata do saber decidiu um dia carimbar como verdade universal. Mas a sabedoria, essa, essa não se ensina, essa vem de outro sítio, um sítio mais fundo, um sítio que só se alcança vivendo e errando. Vivendo e errando até aprender que há coisas que não se fazem, não porque a teoria as proíba, mas porque a vida já mostrou, tantas vezes, que o resultado é um desastre.

Imaginem, por exemplo, o cheiro da canela e do açúcar no ar, a mesa posta com as travessas de arroz-doce, as fatias douradas e, ao lado, uma saladeira cheia de frutas cortadas em cubos misturada com tomates maduros que alguém, um imbecil qualquer armado em entendido, decide juntar à salada de frutas. Um erro. Um erro absoluto. Um erro como os que os governos cometem quando insistem em aplicar fórmulas aprendidas na universidade sem perceberem que a realidade é outra, que a realidade é gente, é histórias, é um emaranhado de pequenas misérias e pequenos triunfos que não cabem num PowerPoint, nem numa tabela de Excel.

A sabedoria não está nos livros, está na memória das coisas, no saber que se vai acumulando como se acumula poeira sobre os móveis velhos, num gesto repetido mil vezes até se tornar instinto. A minha avó sabia disso quando escolhia os frutos na mercearia da esquina, apertando cada um com os dedos experientes que já tinham apalpado centenas antes, rejeitando os que não tinham o peso certo, a textura certa, o cheiro certo. E, por isso, nunca lhe passaria pela cabeça meter um tomate na salada de frutas. Porque não é só uma questão de sabor, é uma questão de respeito, de respeito pelo que já foi provado e confirmado geração após geração.

Mas hoje, neste tempo de sabichões e idiotas convictos, de gente que acha que a inteligência está no Google e que a experiência não vale nada, enchem-se os pratos de misturas absurdas e as cabeças de teorias inúteis. Porque o mundo está cheio de gente que sabe que o tomate é um fruto. Mas muito, muito pouca que saiba que não se deve metê-lo numa salada de frutas. E o pior, o pior de tudo, é que agora o achismo é quase ideologia, e a convicção de que se tem razão tornou-se mais importante do que ter razão de facto. Qualquer tolo se convence de que a tradição é um erro e de que tudo pode ser reinventado com uma opinião qualquer, com um "eu acho que" despejado ao acaso, sem memória, sem história, sem tripas.

Fevereiro 2025

Nuno Morna



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