A Mania das Opiniões e o Despautério do Juízo

O rapaz, um bisneto de um vizinho já entradote, que agora se meteu a influencer (creio que é assim que se diz), apareceu-me no quintal, junto ao rego onde planto umas cebolas e umas bercas¹ quando me apetece fingir que ainda sou útil, apareceu-me a dizer com aquele ar de quem acabou de descobrir a pólvora ou de apanhar um peixe-galo na abra² dos Reis Magos que "todas as opiniões são válidas", e eu, que já estou meio apusegado³ com estas modernices, limitei-me a abanar a cabeça como quem vê uma catraia a correr na estrada com um balão cheio de bagaceira a pensar que é um brinquedo.

O problema é esse: hoje tudo é brinquedo. Tudo é a brincar. Gente que não sabe distinguir um chibarro de uma coitada quer opinar sobre virologia, economia, o clima, o Pacto Orçamental, a alma humana, o melhor método de podar parreiras e, vá-se lá saber porquê, ninguém lhes diz nada, talvez com medo de parecer fona⁴ ou de levar uma chorrica de algum animado⁵ com mais seguidores do que juízo.

Dizem que todas as opiniões são válidas como quem diz que todas as benfeitorias são boas para plantar inhames. Mas não são. Há opiniões que são como aquelas levadas que a gente sabe que vão rebentar mal a água engrossa, e há outras que são como os poios da minha avó: duros, feios, mas com sustento lá dentro. O que há hoje, no entanto, são mais bogangas do que broas, muitas ideias empapadas, feitas à pressa, sem lume nem cozedura.

A liberdade de dizer não significa que o que se diz tenha préstimo. Eu também posso gritar no meio da romaria que vi o Espírito Santo descer num balão de ar quente sobre a Serra d’Água, mas ninguém com dois dedos de testa me vai dar ouvidos, a não ser os doidos e os escangalhados de sempre, que agora parecem ser os donos da voz. Falam como se tivessem sido tocados pela brisa de São João, mas aquilo que sai da boca deles é mais borralho⁶ que bênção.

E eu olho, muitas vezes da esquina da loja de ferragens do Zé Botelho, com um copo de Laranjada na mão, como quem já não espera nem se espanta, e penso que este tempo é feito de encharques⁷ e escangalhanços: tudo a cair, tudo a desbaratar-se em ditos e redítos, em likes e espetadas. A ignorância agora é que dá brozilhão⁸, e a razão anda a pedir esmola entre as bancas da Feira da Lagartixa, disfarçada de velha com uma saia aos quadrados.

Quem diz que todas as opiniões são válidas devia levar com um vento de leste nas trombas, daqueles que até arrancam o bandulho⁹ ao mais teimoso. Porque o que eles querem, no fundo, não é liberdade: é não serem contrariados. Não querem diálogo, querem aplauso. Querem que os tratem como se tivessem descoberto a cura para as almorreimas¹⁰ só porque ouviram um podcast do tio Alfredo, que vive na Ribeira Funda e diz que o mundo é governado por lagartos de tanga.

É esta a nova religião: a religião do "eu acho". E o "eu acho" tornou-se mais sagrado que as litanias da Senhora da Encarnação. Já ninguém diz "não sei". Já ninguém escuta. Todos falam, todos berram, todos têm teorias sobre tudo, desde a guerra ao preço das castanhas, e tudo é posto ao mesmo nível, como se um catedrático e um bazaburro tivessem o mesmo peso só porque partilham a mesma rede de internet.

Eu, por mim, quando ouço dizer que todas as opiniões são válidas, fico logo com uma agastura na alma, como se tivesse comido sopa mal passada ou cozido feito com água de adufas rotas. Porque não são. Nunca foram. E quem diz o contrário ou está a vender banha de cobra ou a tentar livrar-se de pagar a conta do seu próprio embuste.

No fim, não é uma questão de respeito. É uma questão de juízo. E o juízo, como bem dizia o meu avô quando vinha do campo com as botas cheias de barro e a cabeça cheia de silêncios, o juízo é coisa que não se apanha como os caracóis depois da chuva. Ou se cultiva ou perde-se.

E nós, pelos vistos, perdemo-lo. Com muita opinião e pouca cabeça. Como dizia o Berto das Fontes: "quem não sabe, fecha a matraca ou vai parar ao buraco. Ora bem. Ora mesmo.

¹couves ²enseada ³chateado ⁴mesquinho ⁵ligeiramente tocado pelo álcool ⁶cinza ⁷molhas ⁸dinheiro ⁹barriga ¹⁰hemorróidas

Abril 2025

Nuno Morna



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