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Secretaria de Educação: A Farsa dos Cem por Cento.

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[Quando a propaganda educativa atinge os níveis de Saddam e o fracasso se mascara com tablets] É evidente que só uma criatura moldada no barro mole dos gabinetes governamentais, onde se respira o ar parado dos corredores sem livros e o cheiro a tonner barato, poderia olhar para aqueles quadros com percentagens a escorrer perfeição e declarar, com a solenidade dos que confundem propaganda com pedagogia, que a transição digital melhorou os resultados dos exames nacionais. Melhorou, dizem eles. Como se o sucesso brotasse do toque de um ecrã, como se o conhecimento viesse embutido no alumínio do tablet, como se o raciocínio lógico, a capacidade de interpretação, o espírito crítico se pudessem instalar por bluetooth. Melhorou, e pronto. Não se discute. Não se pensa. Publica-se. Com fotografia, citações emolduradas e aquela euforia de fim-de-semana prolongado nos serviços centrais da Secretaria. A verdade, claro, está ali diante dos olhos, como uma piada triste mal contada. Cem por cento. No...

O Pai Natal Chamado Neoliberalismo.

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Chamam-lhe neoliberalismo como quem amaldiçoa um vizinho que nunca viu mas de quem ouviu dizer coisas horríveis. Dão-lhe nomes. Insultam-no. Culpam-no. Cuspiam-lhe, se o encontrassem. Mas o neoliberalismo, coitado, não aparece. Nunca apareceu. Não vem no Natal. Não manda postais. Não tem rosto, nem partido, nem uma bandeira concreta para queimar nas manifestações com palavras de ordem repetidas como orações tontas. É, como dizia aquele senhor cansado e mal-engomado que era professor no liceu e andava sempre a apagar o quadro com a manga do casaco, "um conceito esponjoso, desses que absorvem tudo o que não se sabe explicar". Disseram-me uma vez que nasceu em 1932, o neoliberalismo, pela pena de um alemão chamado Alexander Rüstow, nome de sabonete, de detergente de loiça importado ou de marca de cadernos pautados. O Rüstow, segundo contam os que lêem mais do que devem, era um socialista cansado do socialismo, como quem come sempre a mesma sopa e começa a sonhar com bifes. Tento...

O Não Só Mas Também.

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[Quando todos são arguidos, ninguém o é. A arguidade como linguagem oficial do poder instalado.] Calado (e outros). Calado (e tantos). Calado (e quase todos). Calado com o seu fato escuro que parece comprado num sábado de manhã no Madeira Shopping, antes do almoço com a mulher que já não o escuta, com a camisa branca muito branca, branca como os lençóis passados a ferro pela senhora de Santa Quitéria que vai lá três vezes por semana e a quem ele nunca agradece, com os sapatos a brilhar não do uso mas do verniz, com o andar estudado e a gravata posta com precisão de funeral, a sair da Polícia Judiciária como quem sai de uma pastelaria em São Martinho depois de um café curto e dois dedos de conversa sobre o tempo, o tempo que está abafado, sim, abafado, abafado como tudo por aqui, abafado como esta terra onde já não se respira e onde ser arguido passou a ser o novo passaporte para o poder. Dizia-se há dias, nos jornais, nas rádios, nos sussurros mornos das redacções, que Calado " t...

Santo Agostinho: O Escândalo da Liberdade.

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[Por que razão o pensador do pecado, da vontade e da Graça continua a ser o mais perigoso filósofo da Igreja, e o mais urgente no tempo em que todos fogem de escolher] Ele sabia. Sabia que o homem é o animal que escolhe errar. Que escolhe mentir. Que escolhe matar. E sabia que a única dignidade possível está nesse milagre: o de poder, ainda assim, escolher o contrário. Escolher amar. Escolher perdoar. Escolher subir. Deus, no fundo, é o nome que damos à possibilidade de escolher bem. E a liberdade, o lugar onde isso se decide. Ninguém nos força. Ninguém nos salva contra vontade. Nem Deus. É por isso, exactamente por isso, que Santo Agostinho é o maior de todos. Porque não há consolo na sua filosofia, só verdade. Porque não há paz nos seus livros, só combate. Porque não há certezas no seu pensamento, só fé no meio da escuridão. Uma fé trémula, suada, rasgada, mas fé. E talvez isso baste. E talvez por isso mesmo, por isso sobretudo, por isso com urgência, seja hoje mais actual do que nun...

Carta aberta aos que respiram mentira e exsudam ódio.

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[Escrita entre o fígado e a madrugada, como se tivesse passado a noite a ouvir os gritos do país ao longe, interrompidos por tosses, por sirenes, por um cão que ladra a um candeeiro fundido numa rua vazia] Vocês sabem. Sabem e fazem de conta que não sabem, como quem esconde o prato que partiram atrás do cortinado, com os cacos ainda a brilhar no chão e os olhos cheios de culpa fingida. Mas não há culpa, há cálculo. Um cálculo frio, viscoso, cheio daquela lógica rasteira dos que aprenderam que a dor dos outros é um bom negócio. Vocês vivem disso. Vivem da dor dos outros como os abutres vivem das carcaças, com aquele voo preguiçoso, circular, hipócrita, fingindo que estão só a passar, mas prontos a poisar assim que o cheiro a morte lhes encha os bicos. Vocês, que acordam cedo para ver as tendências da estupidez como quem consulta os salmos, não para entender o mundo mas para o desfigurar. Porque o vosso mundo não é este. Não é o da dúvida, não é o da contradição, não é o da hesitação hum...

Funchal à Venda: A Cidade Como Negócio de Família.

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[Prometeram 120 medidas, executaram menos de um quarto, mas entregaram a Praia Formosa ao betão com pontualidade suíça] Chegaram ao poder como se fossem refundar o Funchal. Apareceram com ar de quem tinha estudado tudo, planeado tudo, prometido tudo. Mais de cento e vinte medidas. Cento e vinte promessas, cento e vinte compromissos solenes, cento e vinte ideias que, a julgar pelos panfletos e entrevistas, iam finalmente corrigir os erros de décadas, abrir a cidade ao futuro, devolver o Funchal aos funchalenses. Uma coligação entre o PSD e o CDS, liderada então por Pedro Calado, que passaria o testemunho a Cristina Pedra como se se tratasse de uma sucessão dinástica, um prolongamento de família política, um favor ao partido, não à cidade. Mas passados anos, o que se pode constatar, sem rodeios nem eufemismos, é que nem um quarto daquelas medidas foi executado. Nem um quarto. E mesmo entre as poucas que foram tocadas, a maioria não passou de intenções vagas, reformulações cosméticas ou s...

O Turista Foi Rei. Agora Vem a Multa.

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PARTE DO TEXTO QUE HOJE VAI NO "REDE SOCIAL", NO DN MADEIRA [Miguel Albuquerque confessa, sem o dizer, que governou anos para a quantidade, e só agora, à beira do colapso, descobre a qualidade.] Disse-o a passada semana, Miguel Albuquerque, com aquele ar de quem nunca teve dúvidas, mas raramente acerta, e os sapatos a brilharem como os sapatos dos mortos em velórios ao fim da tarde, no Caniço, junto ao mar e ao sal e ao eco das ondas. Disse-o assim: “em 2026 começa o novo ciclo do turismo, orientado para a qualidade”. Repetiu-se, como quem recita uma oração sem saber o que significa, com os olhos nos jornalistas como quem pede aprovação a um pai severo que nunca disse “gosto de ti”. E disse isto com a certeza mecânica de quem já não governa pessoas, mas as figurinhas mansas com que enche os discursos como se isso bastasse para governar, palavras desidratadas que se colam à língua como hóstias sem fé. E com essa frase, essa pequena frase magra como um cão abandonado que ningué...