REDE SOCIAL, 16 dezembro 2024
REDE SOCIAL
Frankenstein
1.
O Orçamento 2
A oposição chumbou o Orçamento Regional para 2025. A
tragédia, o horror, o caos! Que dia negro para a história da Madeira. Um
orçamento que, segundo o governo, era a oitava maravilha do mundo, o
equivalente político a um milagre de Fátima. Mas eis que, de forma vil e inescrupulosa,
os partidos da oposição resolveram destruir este monumento à genialidade
administrativa. Porquê? Porque são maus. Porque odeiam a Madeira. Porque não
gostam de criancinhas, nem de professores, nem de creches, nem de nada. Pelo
menos é nisso que, o governo e os deputados do PSD e do CDS, querem que todos
acreditem.
Vamos às lágrimas de crocodilo do costume. Dizem-nos que
este orçamento era para “os mais novos e os mais velhos”, “os trabalhadores e
os vulneráveis”, “as instituições e as empresas”. Um orçamento que, a avaliar
pelo tom melodramático, era tão perfeito que até o próprio Deus desceria dos
céus para dar a sua bênção. E que fez a oposição? Rejeitou. Pisou a bondade.
Escarrou na face da virtude.
Ou seja, a farsa do costume, deitada cá para fora pelos
farsolas de sempre. Um orçamento é um instrumento de política pública, não uma
coleção de slogans. E a verdade é que este orçamento foi desenhado não para ser
aprovado, mas para ser chumbado. O que importava era criar um documento tão
carregado de medidas populistas e apelativas que, ao ser rejeitado, pudesse ser
usado como arma política. E aqui estamos, a assistir ao espetáculo patético de
um governo a vitimizar-se perante a própria incompetência.
Os tais “mais 7 milhões para os professores”, os “mais 4
milhões para o desporto amador”, os “manuais escolares gratuitos”, não passam
de isco. É uma lista de compras superficial, desenhada para chocar e indignar
os distraídos. Mas onde estão as prioridades reais? Onde está a visão
estratégica para a Madeira? Em lado nenhum. Porque este governo não governa,
faz campanha permanente. E, como sempre, recorre ao mais velho truque do livro,
culpar os outros.
A acusação à oposição “porque não quis” é, no mínimo,
infantil. Como se a oposição tivesse a obrigação de aprovar qualquer coisa que
o governo pusesse na mesa, independentemente de quão mal preparado estivesse.
Chamar a isto “diálogo” ou “disponibilidade para melhorar” é um insulto à
inteligência de qualquer pessoa minimamente informada.
E depois, claro, o grande desfecho: “Não tememos
eleições. Vamos à luta pelos madeirenses.” Esta é a parte em que o governo
larga a máscara e revela o verdadeiro objectivo deste teatro todo: provocar
eleições antecipadas. Não porque sinta que tem soluções para oferecer, mas
porque acha que pode reforçar o seu poder. Porque para Miguel Albuquerque e
companhia, a Madeira não é um arquipélago, é um palco. E o povo, claro, não
passa de figurante.
A Madeira não tem orçamento. Mas não é por culpa da
oposição. A Madeira não tem orçamento porque este governo não sabe governar.
Porque prefere a vitimização ao trabalho. Porque está mais preocupado em salvar
a sua própria pele do que em resolver os problemas da região. Porque, no fundo,
este governo tem medo de uma coisa apenas: ser confrontado com a realidade.
Governar por duodécimos não é nenhum drama, como bem
prevê a Lei de Enquadramento Orçamental. Pode mesmo ser um benefício para os
contribuintes, quando quem governa é despesista e só sabe atirar dinheiro para
cima dos problemas e das disfuncionalidades.
2.
O Líder da Oposição?
A Assembleia Legislativa da Madeira (ALRAM) é, por
natureza e design, uma farsa institucional disfarçada de parlamento. Não por
falha intrínseca do edifício democrático, mas pela incapacidade crónica das
suas figuras de oposição, entre as quais Paulo Cafôfo, uma entidade formalmente
existente, mas politicamente ausente. O problema da oposição madeirense não
reside apenas na fragmentação ideológica ou no peso da máquina do poder
regional, mas também na vacuidade da sua liderança, ou na completa ausência de
algo que, com benevolência, se possa chamar liderança.
Um líder da oposição, em qualquer parlamento digno desse
nome, deve ser, acima de tudo, uma figura de combate. É alguém que articula as
críticas ao governo, congrega forças dispersas e galvaniza a sociedade em torno
de uma alternativa clara e viável. Este líder não pode limitar-se a reagir
passivamente à agenda imposta pelo executivo, mas sim antecipar-se a ela,
definindo os temas do debate político e impondo um discurso que faça tremer as
estruturas do poder. Um verdadeiro líder da oposição precisa de estratégia,
carisma e uma visão de futuro capaz de inspirar tanto os seus aliados como os
eleitores. Deve ser incómodo, incansável e, sobretudo, presente — qualidades
que estão, todas elas, ausentes na actual figura que ocupa essa posição na
ALRAM.
Paulo Cafôfo, líder nominal da oposição, deveria ser, em
teoria, a figura que congrega e articula as críticas ao governo regional,
encabeçado por Miguel Albuquerque, e o principal responsável por propor uma
alternativa política para os madeirenses. Contudo, não só falha em liderar o
seu próprio partido com a firmeza necessária, como nunca se verifica qualquer
esforço de aproximação aos outros partidos da oposição. Não há contactos, não
há conversas, não há tentativas de encontrar pontes ou consensos em torno de
questões estratégicas que possam minar o domínio absoluto do PSD-Madeira. Esta
ausência de diálogo revela um isolamento que não é apenas táctico, mas
profundamente revelador de uma política de total inércia.
A ALRAM, palco privilegiado da política regional,
transforma-se, assim, numa espécie de teatro vazio. O governo, seguro da sua
hegemonia, domina com naturalidade a agenda política, enquanto a oposição,
incapaz de sequer aparentar unidade, se limita a desempenhar papéis
secundários, ora com gestos de indignação inconsequente, ora com um silêncio
cúmplice. Paulo Cafôfo, no centro deste cenário, não desempenha qualquer função
que não seja a de figurante discreto, incapaz de inspirar os seus aliados ou de
preocupar os seus adversários.
Esta falta de liderança não é apenas um defeito
individual, mas o reflexo de um sistema político regional profundamente
viciado. Durante décadas, o PSD-Madeira moldou a ALRAM à sua imagem e
semelhança, transformando-a num instrumento de legitimação do seu domínio, com
a complacência de uma oposição que nunca teve a coragem, ou sequer o interesse,
de oferecer uma resistência verdadeira. Hoje, Cafôfo é apenas a face mais
visível de um fenómeno de decadência generalizada: uma oposição que existe para
cumprir calendário, sem ideias, sem estratégia, sem impacto.
A questão não é meramente retórica: que utilidade tem um
parlamento onde o líder da oposição não lidera, não opõe e, aparentemente, não
existe? A resposta, evidente para qualquer observador atento, é que este
parlamento serve, em última instância, para validar o status quo. A ALRAM não é
um espaço de confronto político, mas um ritual burocrático que mantém as
aparências de uma democracia que nunca chegou a amadurecer.
O caso de Paulo Cafôfo é particularmente ilustrativo
porque, ao contrário de outros líderes de oposição na Madeira, ele teve
oportunidade, experiência e contexto para se afirmar. Como antigo presidente da
Câmara Municipal do Funchal, poderia ter usado esse capital político para
liderar uma oposição robusta e articulada contra o governo regional. Mas, em
vez disso, optou por um perfil baixo, discreto até à nulidade, perpetuando a
irrelevância da oposição na ALRAM. Ao recusar dialogar com outras forças opositoras,
e ao negligenciar a construção de uma estratégia comum, Cafôfo não só
enfraquece o PS-Madeira como contribui para a perpetuação de um sistema
político que marginaliza todos os que não estão no poder.
O que resta, então, à Madeira? Sem uma oposição real, sem
um parlamento funcional e com um líder que não lidera, o arquipélago continua
refém de um monopólio político disfarçado de alternância democrática. E Cafôfo,
no seu silêncio ensurdecedor, não é apenas uma figura decorativa, mas um
símbolo da capitulação total da oposição madeirense. No fim, a verdadeira
tragédia não é a ausência de liderança, mas o facto de que ninguém parece
sentir a sua falta.
3.
Frankenstein
E cereja no topo do bolo, no final da sua falta de liderança,
lembra-se que os outros existem e quer chamá-los para uma coligação
“frankenstein” cujo único objectivo seria a tomada do poder. Que se explique
como seria compatível um entendimento da IL com um BE que acha que o lucro é o
maior de todos os pecados ou com um PAN cuja maior ambição parece ser proibir
bifes ao pequeno-almoço. Como seria possível chegar a um entendimento entre um
BE que quer destruir o capitalismo, sentado ao lado da IL, que quer libertá-lo.
Ou um PAN que chora pelos cães vadios, enquanto o JPP grita por botijas de gás.
E no meio, Cafôfo, a tentar convencer-nos de que esta ópera bufa pode ser
governável. O resultado? Uma anedota que acabaria, inevitavelmente, em
desgoverno ou, pior ainda, em tragédia.
Dezembro 2024
Nuno Morna

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