Domingo à Direita: Um Guia Prático para Reacionários de Sofá

[Tropecei num texto que escrevi aqui há uns anos e decidi reescrevê-lo]

Domingo, o dia sagrado que Deus criou exclusivamente para os direitistas se glorificarem na sua superioridade moral. Pois que outra classe de gente poderia ter a audácia de dormir tão opiparamente como eu o fiz? Acordei envolto no luxo das minhas boxers de seda de direita, claramente desenhadas para oprimir as minhas massas proletárias, e dirigi-me ao mundo com a altivez que só um conservador pode ostentar.

Na bomba de gasolina, atestei o carro como um bom burguês de direita: sem olhar para o preço, claro, porque preocupação com o orçamento é coisa de esquerdalha. Um chá e uma torrada foram o mata-bicho — um pequeno-almoço tão reacionário que até o Earl Grey me olhou de lado.

Voltei a casa para buscar a mulher (que, por sinal, estava deslumbrante, como compete a qualquer esposa de um homem de direita) e a filha, que, como manda o manual do bom burguês, frequenta um colégio privado onde aprende latim e desprezo pela plebe. A minha mulher, numa exibição exemplar de submissão marital, esmerou-se no visual. Como qualquer machista de direita, limitei-me a constatar, com um leve aceno de cabeça, que estava “bem gira”.

Seguimos no automóvel familiar — um SUV, claro, porque os comunas podem ter as suas bicicletas e transportes públicos, mas nós precisamos de espaço para a superioridade moral. Um passeio tranquilo, típico de famílias opressoras.

Pausa para almoçar. Porque, evidentemente, só os direitistas se dão ao luxo de parar para uma refeição decente em vez de enfardar sandes de atum num protesto qualquer. A criança, no banco de trás, dormia como uma pequena capitalista em formação. Ainda mal saiu das fraldas e já sabe que a ordem é o pilar da civilização.

De volta à cidade, gelado na tal gelataria “à direita”, onde até os bancos são cones de gelado, porque nada grita “elitismo” como sentar-se num mobiliário instagramável. Lá deixámos a pequena escolher um carrinho de brincar e, vejam bem, tinha de ser um Audi. Não um Fiat ou um Citröen qualquer. Um Audi. Educação exemplar. Marx deve estar a dar voltas no túmulo.

Passagem pelo supermercado, claro, para comprar camarões — porque nada diz “desprezo pela luta operária” como descascar crustáceos de qualidade premium enquanto se sorvem cervejas artesanais. E as cervejas? Feitas pelo tio Jorge, que, com todo o orgulho de direita, mantém um monopólio informal sobre a produção etílica familiar.

Ao cair da noite, ainda mantive o hábito ditatorial de ligar às filhas mais velhas. Sim, essa mania tão direitista de querer saber se está tudo bem com as pessoas. Controle parental, dizem os progressistas. Eu chamo-lhe “amar com método”.

E assim terminou um dia glorioso de puro direitismo. Sim, direitismo com D maiúsculo, porque, francamente, o que seria do mundo sem nós? Ah, e já agora, dedico este texto aos meus queridos amigos que acham que o mundo se divide entre esquerda e direita, como se a vida fosse uma marcha militar constante de “esquerda, direita, esquerda.” Relativizem, meus caros, ou pelo menos parem de medir tudo com a régua ideológica. O bom senso agradece.

Maio 2018 / Dezembro 2024

Nuno Morna



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