Duodécimos para o povo e orçamento ilimitado para o cartão laranja

A falta de um Orçamento aprovado, que para alguns parece ser o apocalipse administrativo, não passa de uma desculpa conveniente para a mediocridade política. A prorrogação do Orçamento anterior, em regime de duodécimos, é um mecanismo perfeitamente funcional, que não só assegura a continuidade da governação como impede que os governos usem o caos como ferramenta de chantagem emocional sobre a população.

Evidentemente, só um governo que não sabe governar poderia ver neste regime um "impedimento" para a execução de obras como o Novo Hospital da Madeira, a Unidade Local de Saúde do Porto Santo ou qualquer outra iniciativa minimamente estruturada. O ponto 4 do art.º 86 da Lei de Enquadramento Orçamental é claríssimo ao sublinhar que despesas sociais, programas de protecção e direitos dos trabalhadores são prioritários, inadiáveis e, imagine-se, protegidos. Isto significa que não é por falta de Orçamento aprovado que as obras do PRR ou os apoios sociais deixam de avançar. Se pararem, será apenas pela notória falta de competência ou, mais cinicamente, pela conveniência política de culpar "os outros".

Quanto ao Novo Hospital da Madeira, será que Miguel Albuquerque vai, de repente, interromper o avanço das obras e alegar que os duodécimos lhe ataram as mãos? Claro que não! A ausência de um novo Orçamento será apenas mais uma desculpa esfarrapada num longo inventário de pretextos. E as obras do PRR, sujeitas a calendários europeus rigorosíssimos? Só um lunático poderia argumentar que a ausência de Orçamento coloca em causa a sua execução, quando estas obras estão dependentes de fundos já contratualizados. O dinheiro está lá, o que falta, como sempre, é competência e vontade. Dirão, claro, que sem um novo Orçamento tudo isto fica "em risco". Que conveniente. Não é que os contratos estejam mal geridos, que os projectos sejam medíocres ou que os prazos sejam ignorados. Não. A culpa será sempre da falta de Orçamento, como se a União Europeia se comovesse com as desculpas regionais.

E os programas sociais? Os lares, os cuidados continuados, a habitação social? Aí reside o coração do espectáculo político: colocar os mais vulneráveis como reféns de uma narrativa de crise. No entanto, a Lei do Enquadramento Orçamental, a lei, a lei desfaz esta manipulação com uma clareza desarmante. Todas estas despesas são "excepcionais", protegidas pela lei, e nada, repito, nada impede que sejam executadas em duodécimos. Mas, claro, nada como pintar cenários apocalípticos para justificar a própria inépcia e ganhar algum tempo na imprensa que lhes dá cobertura.

Mas há, curiosamente, uma área onde, mesmo sem Orçamento aprovado, o Governo Regional nunca encontra qualquer entrave: as nomeações. Para colocar os arregimentados de cartão laranja nos gabinetes, institutos, comissões e direcções regionais, a máquina nunca se atrasa. É impressionante. Não há crise orçamental que trave a eficiência milimétrica deste exército de fiéis. No que toca a distribuir cadeiras e tachos, o Governo, milagrosamente, encontra sempre os recursos. Talvez porque não se governe com base no que é necessário, mas sim no que é conveniente. É curioso como o carrossel das nomeações gira com uma fluidez que faria inveja à execução das obras do PRR. Afinal, quando a prioridade é recompensar a lealdade partidária, o "não há dinheiro" transforma-se, por magia, em "nomeie-se".

A inexistência de um Orçamento aprovado, não é o melhor cenário, mas também não é uma calamidade, é um teste à competência dos governantes. Um teste que, previsivelmente, será falhado por aqueles que confundem governação com encenação e administração com teatro de sombras. O regime de duodécimos não bloqueia nada, o que bloqueia é a falta de seriedade. Assim, quando vos disserem que o Novo Hospital, as obras do PRR ou os programas sociais não avançam por culpa do Orçamento, o melhor será perguntar: e o que fizeram com o tempo e os recursos que já tinham? Se a resposta for um silêncio constrangedor, é porque o problema nunca foi o Orçamento. Foi, e será sempre, o Governo.

Dezembro 2024

Nuno Morna



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