Epifania de Natal

Que este Natal lhes pese, aos que governam, como um espelho pesado, cravado na parede das suas consciências. Que não seja só mais uma quadra de discursos vazios e inaugurações apressadas, mais uma desculpa para se enfeitarem de importância, como se a grandeza fosse um fato que se veste e despe. Que este Natal os alcance como uma revelação inclemente, daquelas que arrancam a alma do sono e obrigam o corpo a andar pelos corredores vazios à procura de respostas que nunca chegam.

Desejo-lhes, mais do que prendas ou festejos, uma luz incómoda que os obrigue a olhar para o que não olham: para a Madeira real, a que não cabe nos relatórios nem nas fotografias de fachada. Que vejam as pedras das ruas onde já não há passos leves, as casas que se encolhem para aguentar o vento, os rostos que se fecham para suportar o tempo. Que sintam, mesmo que só por um instante, o peso de governar, não como um privilégio, mas como um fardo, o mais nobre dos fardos: o cuidar.

Que este Natal os ensine, se ainda é possível ensinar-lhes alguma coisa, que não basta existir à frente de um povo, é preciso existir com ele. No meio dele. Que os leve a perceber que a Madeira não é só esta paisagem de postal onde se movem, como figuras que se recortam e colam. Que cada luz acesa nos recantos das cidades, nas ruas das vilas, nos becos e vielas, os faça lembrar da escuridão que ainda existe dentro das pessoas.

E que, no meio das ceias e dos brindes, no meio das palavras cheias de si mesmos, sintam algo mais, algo que não podem ignorar, uma inquietação que não se apaga. Que percebam que a verdadeira grandeza está no gesto pequeno, na escuta, no acto de ser humilde perante a terra e aqueles que nela vivem.

Que este Natal seja, para eles, uma epifania serena, mas firme. Que os faça compreender que, para guiar, é preciso primeiro saber ver. Que os transforme, não por raiva, não por revolta, mas pela força branda da consciência. Porque, no fundo, é isso que esta terra merece: não milagres, mas mãos que a tratem como merece ser tratada — com cuidado, com respeito, com amor.

Bom Natal para todos.

Dezembro 2024

Nuno Morna



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