O Obrigado da Moderna Hipocrisia
Gratidão. É uma dessas palavras que, de repente, se alcandorou ao léxico da moda nos círculos da modernidade apressada, que ganha eco no pretenciosismo.
Era comum agradecer-se com um “obrigado” ou, para os mais formais, um “muito obrigado”. Agora, no reino dos iluminados, o “obrigado” parece ter caído em desgraça. Para muitos, perdeu a solenidade ou a profundidade.
Então, chegou a “gratidão” – um termo pomposo, carregado de um misticismo pseudo-transcendental. Como se cada acto de agradecimento tivesse agora de remeter para o absoluto ou para a espiritualidade.
As pessoas que usam “gratidão” não estão, muitas vezes, verdadeiramente gratas. Querem, isso, sim, parecer superiores. Um “obrigado” é terreno demais, comum, quase vulgar. Já “gratidão” eleva quem a pronuncia. Dá-lhe a aparência de uma alma nobre, em sintonia com o universo, como se estivessem a escrever uma mensagem ao cosmos em vez de responder a um simples favor. E não podemos esquecer, claro, a dimensão exibicionista: a palavra é usada para impressionar, para marcar um território moral de superioridade. Quem diz “gratidão” não se limita a agradecer – proclama-se virtuoso.
Vê-se o “gratidão” em mensagens de Instagram, nós comentários e posts no Facebook, no final de e-mails impregnados de auto-ajuda, nas legendas de fotografias de pores-do-sol e taças de açaí. É como uma declaração de pertença a uma nova classe de luzentes – os que têm tempo e paciência para embonecar até os gestos mais simples com palavras que soam bem, mas são, no fundo, vazias.
A gratidão deve ser servida no recato, deve ser sentida, praticada. Deveria ser tão indizível como a caridade, que também não se deve dizer. Ser grato é um acto interior. Manifestar a gratidão é exposição ridícula.
Mas, no fim de contas, o que fica é o ridículo da coisa. A transformação de uma palavra simples e útil como “obrigado” num exercício de presunção foleira. E o mundo, mais uma vez, revela-se cheio de gente que, mesmo na hora de agradecer, prefere a aparência à sinceridade. “Gratidão” não é gratidão – é teatro.
Dezembro 2024
Nuno Morna
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