"Políticamente Indeseable", de Cayetana Álvarez de Toledo
Para quem segue o que se passa politicamente no país vizinho, não surpreende que uma figura como Cayetana Álvarez de Toledo tenha dado à luz um livro tão audacioso quanto "Políticamente Indeseable". Desde o primeiro parágrafo, somos confrontados com uma prosa lúcida e feroz de alguém que recusa as convenções complacentes do mundo político contemporâneo. Não será novidade a sua luta contra o populismo e a degradação ética da política, mas aqui, mais do que uma denúncia, encontra-se um manifesto.
O livro é uma obra de múltiplas camadas: crónica de uma desilusão política, ensaio sobre os perigos que ameaçam a democracia e, em parte, uma comovente evocação das suas raízes familiares. Cayetana revela-se uma observadora implacável, sem piedade para com os seus pares e para consigo mesma. A sua defesa da razão e da verdade como fundamentos do ofício político é, ao mesmo tempo, um acto de coragem e uma confissão de fracasso. “Lutou contra o indesejável até se tornar ela própria indesejável”: a ironia deste percurso é não só evidente, mas também trágica.
Há algo de profundamente quixotesco na ambição da autora. Num tempo dominado pelo culto das emoções e pelo relativismo moral, Cayetana apresenta-se como uma espécie de anacronismo vivo, uma mulher que acredita que a política ainda pode ser resgatada das “mandíbulas do populismo”. A sua escrita, despida de sentimentalismos e adornada por uma inteligência mordaz, confirma o que muitos dos seus detractores não ousam admitir: Cayetana é uma das vozes mais livres e incisivas da sua geração.
No entanto, há no livro uma nota de melancolia que trai a impossibilidade. A autora é demasiado inteligente para ignorar que o mundo que idealiza pode já não ter lugar no século XXI. Mas, precisamente por isso, é um livro essencial, um documento que testemunha não só a falência da política contemporânea, mas também a necessidade urgente de, ao menos, tentar salvá-la.
Se Cayetana Álvarez de Toledo é politicamente indesejável, é porque os tempos, e não ela, o são.
Dezembro 2024
Nuno Morna
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