A Miséria Parlamentar

A decisão de cancelar a reunião plenária agendada para ontem, bem como as de hoje e de amanhã constitui, na minha perspectiva, mais um episódio que desrespeita o mandato parlamentar e compromete a dignidade da Assembleia Legislativa da Madeira. Votei contra esta proposta porque acredito que os trabalhos parlamentares não podem ser sistematicamente adiados ou interrompidos por razões que em nada servem os interesses dos madeirenses.

A desculpa era que havia que esperar pela decisão do Sr. Presidente da República, que decidiu agora só convocar o Conselho de Estado para o dia 17. Ou seja, daqui a 10 dias.

Por mais que o discurso público na Madeira se envolva em retóricas ocas sobre democracia e representatividade, a verdade crua, nua e despida, é que o Parlamento Regional caiu numa lenta e penosa degradação. A sua dignidade, se alguma vez existiu, está hoje reduzida a pó por uma dinâmica que mistura, em doses iguais, incompetência, servilismo e a patética subserviência das direcções parlamentares às vontades de líderes políticos cuja visão não ultrapassa o próximo ciclo eleitoral.

Desde logo, importa sublinhar que o trabalho parlamentar deveria ser o centro nevrálgico da actividade política regional. Mas, em vez disso, assistimos a uma desgraçada confusão entre as direcções partidárias e os grupos parlamentares, que, na prática, transforma os deputados em meros papagaios de ordens superiores. Esta promiscuidade é, evidentemente, o maior cancro da vida democrática na Região. Os partidos governam as suas bancadas com firmeza, anulando qualquer réstia de independência que os deputados pudessem ter. Onde deveria existir debate, reflexão e confronto de ideias, há apenas a execução disciplinada de uma agenda ditada por um punhado de chefes de claque. Não é assim que se dignifica uma Assembleia, é assim que se mata a política.

Mais grave, porém, é a ligeireza com que os trabalhos parlamentares são suspensos. Alegar que os deputados precisam de estar em Lisboa para ouvir o Presidente da República ou que a Assembleia será dissolvida em breve é uma afronta ao eleitorado. São muito poucas as razões que justificam a interrupção das sessões plenárias. Os deputados são eleitos para trabalhar, e trabalhar no Parlamento significa, embora não se esgote aí, participar no Plenário. É ali que se discutem os problemas da Região, que se avaliam propostas, que se confrontam ideias. Quando se desrespeita o Plenário, desrespeita-se também o cidadão que, com o seu voto, legitima a existência desta instituição.

Que fique bem claro: este desprestígio das instituições regionais não conta connosco. Não nos peçam para ser cúmplices de coisas que têm como único objectivo perpetuar o cinismo e a mediocridade. Se os madeirenses olham com desconfiança para as suas instituições, a culpa está nas práticas vergonhosas que, como esta, minam a credibilidade e o respeito que deveriam merecer.

A dignificação do Parlamento exige coragem, exige confrontar os vícios enraizados e, sobretudo, exige uma ruptura com este ciclo de degradação. Que se libertem os deputados das algemas partidárias. Que se respeite o Plenário como o coração da democracia regional. E que se devolva aos madeirenses um Parlamento que mereça o seu respeito.

Até lá, não contem connosco para o aplauso submisso. Contem connosco para a denúncia.

Janeiro 2025

Nuno Morna



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