A Saúde Morre à Espera
A tragédia da saúde pública na Madeira seria um enredo perfeito para um romance deprimente de má literatura: desorganização, propaganda e uma pitada de cinismo barato. A questão não é só a falta de medicamentos para os doentes oncológicos – o que já seria suficiente para qualquer governo civilizado cair de joelhos em vergonha. A verdadeira questão, mais funda e corrosiva, é a evidência de que a vida humana, nesta região, não vale um chavo. Na Madeira, as prioridades não são pessoas, mas inaugurações, discursos tontos, aplausos e fotografias. Uma obscenidade política travestida de governação.
O Governo Regional, com a sua peculiar noção de serviço público, gosta de nos lembrar, de forma patética e auto-complacente, os "milhões" que investiu na saúde. Ora, onde estão esses "milhões"? Foram parar às palmas e bajulações em frente ao hospital? Às inaugurações de serviços que, meses depois, não têm nem pessoal, nem medicamentos? Os madeirenses ouviram durante anos um discurso triunfalista de progresso, mas a realidade é outra: atrasos, falhas, desculpas esfarrapadas e, como corolário, vidas suspensas por um fio de incompetência e desleixo.
A falta de medicamentos, dizem-nos, são culpa dos "transportes". Claro, porque a Madeira é uma ilha, e – como parece que ninguém sabia – é preciso importar coisas como medicamentos. Impressionante. A esta altura do campeonato, seria de esperar que, após meio século de autonomia, as autoridades regionais tivessem aprendido a planear, prever, encomendar e entregar. Mas não. Justifica-se a incompetência com fatalismo geográfico, como se a Madeira fosse o último reduto da civilização no Atlântico. Uma desculpa medíocre.
Estamos a falar de doentes oncológicos, pessoas que enfrentam uma sentença de vida ou morte. Como é possível que o SESARAM não saiba sequer quando os medicamentos estarão disponíveis? Este não é apenas um erro administrativo. É uma desumanidade gelada e burocrática, típica de quem perdeu qualquer contacto com a realidade das pessoas que diz servir.
Mas nada disto é novo. A saúde pública na Madeira tem sido um exercício de cosmética política e mediocridade institucional. Não há um plano, uma estratégia, nem sequer um vislumbre de competência. A prioridade é manter a fachada com discursos pomposos, estatísticas manipuladas e a eterna promessa de que "estamos a resolver". No entanto, os doentes continuam à espera – e alguns talvez não tenham tempo para esperar.
A culpa, evidentemente, não é apenas do SESARAM. É do Governo Regional, com a sua visão provinciana e amadorística da administração pública. O que está em causa não é apenas uma falha de gestão, é uma falha moral. Quando um governo não é capaz de assegurar algo tão básico como medicamentos para os seus cidadãos mais vulneráveis, perde não só a legitimidade como o respeito.
Uma auditoria independente e profunda é o mínimo exigível. Mas, sejamos francos, as auditorias e os relatórios não resolvem o problema estrutural que se apoia numa elite política acomodada, mais interessada em manter-se no poder do que em governar com seriedade. O povo madeirense merece mais do que esta incompetência disfarçada de liderança. O governo, se ainda tivesse um pingo de vergonha, assumiria os seus falhanços, mas sabemos que o único que se assume na política regional é a eterna negação. A saúde pública não é uma dádiva que os políticos nos oferecem, é um direito. Direito este que o Governo Regional, sistematicamente, se recusa a respeitar.
Janeiro 2025
Nuno Morna
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