REDE SOCIAL, 20 janeiro 2025
REDE SOCIAL
Frente Cívica (2) e Economia Social de Mercado
1.
Na semana passada, aventei a possibilidade de
uma Frente Cívica como resposta à crise política e estrutural da Madeira. Hoje,
gostaria de explorar com mais detalhe o que considero ser a base necessária
para um modelo de desenvolvimento sustentável: a aplicação, devidamente
adaptada, da Economia Social de Mercado. Dito de forma simples, seria o casamento
– sempre difícil e desafiante – entre o dinamismo de um mercado livre e a
justiça social. Uma solução tão promissora quanto exigente, que requereria mais
do que a gestão apática e clientelista a que a Madeira nos habituou.
Convém começar pelo óbvio: o modelo de Economia Social de
Mercado, tal como idealizado por Ludwig Erhard, não é um slogan vazio. Foi uma
resposta prática a um país devastado pela guerra, com uma economia destruída e
uma sociedade profundamente fracturada. E funcionou, não porque fosse perfeito
ou infalível, mas porque combinava princípios de liberdade económica com um
Estado rigorosamente disciplinado e focado na coesão social. É, no fundo, um
modelo que depende de algo que falta à Madeira: uma classe política capaz de
ver além do ciclo eleitoral e de assumir responsabilidades sem subterfúgios.
Na Madeira, onde as especificidades da insularidade criam
desafios únicos, a aplicação deste modelo exigiria reformas estruturais
profundas. A economia regional está anquilosada, dependente do turismo de massa
e dos subsídios do continente e da União Europeia, sem uma base produtiva que
assegure autonomia efectiva. Não há sector agrícola moderno, não há indústria
competitiva, e até o turismo, suposto motor económico, está preso a uma visão
ultrapassada, que confunde quantidade com qualidade. A Madeira, sob a ilusão de
ser uma economia aberta, tornou-se uma economia subsidiada, gerida por uma
máquina política que sobrevive à custa de benesses e favores.
A primeira condição para implementar a Economia Social de
Mercado seria libertar o sector privado do espartilho burocrático e dos
interesses instalados. Não faltam na Madeira empreendedores capazes, mas faltam
condições. A burocracia é sufocante, a fiscalidade é pesada e a economia é
capturada por grupos económicos que prosperam à sombra do poder político. Para
mudar este estado de coisas, seria necessário um choque de simplificação
administrativa, incentivos fiscais claros e um compromisso real com a inovação.
Sectores como a economia azul, a transição digital e as energias renováveis são
constantemente mencionados em discursos oficiais, mas raramente recebem os
investimentos necessários ou uma estratégia coerente.
Depois, há o papel do Estado. Num modelo de Economia
Social de Mercado, o Estado não desaparece, mas actua como regulador e garante
de justiça social. Na Madeira, o Estado tem sido tanto omisso como
omnipresente. Omisso, enquanto permite o avanço de interesses privados
sem escrutínio, e omnipresente, ao perpetuar um modelo clientelista que depende
de transferências financeiras externas. É necessário um Estado que intervenha
apenas onde o mercado falha, mas que o faça com eficiência e transparência. Parcerias
público-privadas, por exemplo, são uma boa ideia, mas na Madeira frequentemente
transformam-se em contratos opacos, onde o risco é público e o lucro privado.
Além disso, a Madeira precisa de uma revolução
administrativa. A actual máquina governativa é pesada, redundante e ineficaz.
Reformas que reduzam o número de organismos públicos, profissionalizem a
administração e introduzam critérios de mérito são imperativas. A
descentralização de competências para os municípios poderia contribuir para uma
governação mais próxima das realidades locais, mas só se for acompanhada de
fiscalização rigorosa e da rejeição do clientelismo que infecta a política
regional.
O discurso da sustentabilidade também merece atenção. Na
Madeira, esta palavra tornou-se um chavão vazio, repetido sem convicção e sem
planos concretos. Sustentabilidade não é apenas plantar árvores ou apostar no
turismo ecológico, é reestruturar toda a economia para reduzir a dependência
externa, diversificar as fontes de rendimento e investir na valorização dos
recursos locais. A aposta no turismo de qualidade, em vez do turismo de massas,
é apenas um exemplo. Outro seria a valorização de produtos regionais – desde o
vinho Madeira até ao peixe e à agricultura biológica –, mas isso requer
investimento, certificação e um mercado organizado, não os impulsos de ocasião
que têm marcado a acção governativa.
Finalmente, há o eterno "contencioso da
Autonomia". A retórica do confronto entre a Madeira e o continente é um
erro histórico que apenas perpetua divisões artificiais. A Autonomia não deve
ser um pretexto para alimentar discursos de oposição ao Estado central, mas sim
uma ferramenta para integrar a Madeira no projecto nacional, respeitando as
suas especificidades. Isso implica maturidade política, tanto em Lisboa como no
Funchal, e a superação de décadas de antagonismo estéril.
A aplicação da Economia Social de Mercado na Madeira não
seria um remendo. Seria uma transformação profunda, que exigiria liderança
política, visão estratégica e a coragem de enfrentar os interesses instalados.
Sem isso, continuaremos com uma autonomia que não é virtuosa nem eficaz, mas
sim uma dependência disfarçada, perpetuada por uma classe política sem coragem
ou imaginação.
Em última análise, a Madeira deve decidir se quer ser um
exemplo de governação moderna e responsável ou se prefere continuar a ser um
microcosmo de velhas práticas e ilusões perdidas. A Economia Social de Mercado
oferece uma possibilidade de progresso, mas, como em tudo, o sucesso depende
das pessoas que a implementam e, na Madeira, essas pessoas, até agora, têm
falhado.
2.
A propósito de uma tentativa de visita de
parlamentares do Chega às obras do Novo Hospital, é verdadeiramente grotesco
que certos deputados, embalados por uma noção enviesada da sua importância, se
achem no direito de invadir espaços e atropelar regras como se fossem donos
disto tudo. Estes senhores, com ares de pequenos ditadores provincianos,
ignoram – ou fingem ignorar – que o poder político, numa democracia liberal, é
limitado por leis, regulamentos e pelo mais básico decoro institucional.
O Regimento da Assembleia Legislativa da Madeira não é um
pedaço de papel decorativo, mas um conjunto de normas que definem e restringem
o exercício do poder dos deputados. Contudo, a mera ideia de que há limites
parece insultar estas almas iluminadas que confundem representação popular com
uma licença para a arbitrariedade. É rídiculo, não fosse profundamente
preocupante, que alguém com responsabilidades públicas precise de ser lembrado
de algo tão elementar.
Se é ignorância, é uma ignorância indesculpável, e se é
premeditação, é um ataque frontal às bases do sistema que deveriam servir. Em
qualquer dos casos, este espectáculo patético só prova que, em certas figuras,
a soberba ultrapassa largamente a competência, e a demagogia é a sua única
arma. A política madeirense, já com pouca credibilidade, não precisa de mais
farsas nem de protagonistas menores com delírios de grandeza.
3.
Há um certo encanto patético em observar como,
ano após ano, o poder regional nos brinda com a sua habitual incompetência.
Janeiro chega, e com ele o previsível isolamento marítimo do Porto Santo. Uma
tradição lamentável que, pasme-se, já dura há trinta anos. Durante seis
semanas, um mês e meio, os portossantenses ficam condenados ao silêncio das
águas, reféns de uma negligência que seria cómica, não fosse trágica.
Esta história já nem sequer se limita à burocracia. É o
retrato perfeito de um regime que se acostumou ao "deixa andar". O
contrato de concessão é claro: a ligação marítima deve ser contínua, mesmo
durante a docagem do Lobo Marinho. Mas em vez de cumprir o prometido — uma
embarcação de substituição —, oferecem-se 3.000 lugares em viagens aéreas.
E depois, claro, há a desculpa de sempre: “não há
embarcações disponíveis no mercado”. Como somos especiais, nós madeirenses,
este autoproclamado umbigo do mundo. E, no entanto, em Cabo Verde, uma nação
que ninguém acusa de ter grandes ambições marítimas, as ligações inter-ilhas
continuam a funcionar como se fosse a coisa mais normal do mundo, contratando a
companhia outro ferry quando os seus vão para manutenção. Será que devemos
concluir que a Madeira, com toda a sua pompa e prémios por dá cá aquela palha,
não é capaz de encontrar um barco de substituição? Ou será que o problema
reside, como sempre, na indiferença e na falta de visão dos que nos governam?
Ou então, e nem quero crer nisso, num qualquer interesse comercial?
Esta vergonha não é apenas o resultado de negligência, é
uma escolha política. Um regime habituado à mediocridade, que vive de promessas
vãs e não vê qualquer utilidade em resolver os problemas reais da sua
população. No programa de governo aprovado, Miguel Albuquerque e os seus amigos
garantiram que esta situação terminaria. A verdade, como todos sabemos, é que a
manutenção do Lobo Marinho serve de metáfora perfeita para a gestão pública na
Madeira: um navio encalhado, sem rumo, e uma população deixada à deriva.
Entretanto, o Porto Santo espera. E espera. Espera que,
um dia, a promessa de uma ligação marítima contínua seja mais do que uma
miragem. Mas, enquanto a máquina do poder continuar a girar em torno dos seus
próprios interesses, os porto-santenses continuarão a ser prisioneiros de uma
ilha que se tornou sinónimo de abandono. E nós, espectadores impotentes,
assistimos, ano após ano, a esta história trágica que não merece perdão.
Janeiro 2025
Nuno Morna
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