"São algas senhor, são algas"

A Fábrica das Algas no Porto Santo é um daqueles projectos delirantes que só podiam nascer da cabeça de uma certa elite(?) política regional, sempre ávida de inventar alguma coisa grandiosa para justificar a sua própria existência. É o retrato perfeito de uma região autónoma que gosta de sonhar acima das suas possibilidades, com uma noção de progresso que mistura má ciência, pior gestão e um total desprezo pela realidade.

Desde o início que tudo cheirava a desastre. A ideia de transformar microalgas em biocombustível para tornar o Porto Santo energeticamente autónomo era, no mínimo, absurda. Qualquer pessoa com dois dedos de testa percebia que os custos de produção seriam incomportáveis e o mercado global não estava à espera de uma pequena ilha no Atlântico para resolver os seus problemas energéticos. Mas, claro, não faltaram os discursos solenes, as promessas de inovação, as inaugurações com pompa e circunstância, e aquele eterno optimismo provinciano que confunde mediocridade com génio.

Ao longo dos anos, a Fábrica das Algas transformou-se num poço sem fundo. Foram mais de 50 milhões de euros despejados num projecto que nunca deu, nem dará, qualquer retorno. É preciso ter lata para continuar a justificar este escândalo. E, no entanto, o Governo Regional insistiu – como insiste sempre – que a culpa não é do projecto, mas de factores externos: o mercado, as circunstâncias, a pandemia, o alinhamento dos planetas. A culpa é sempre do outro, seja ele qual for e esteja mais à mão. Não lhes passa pela cabeça que o problema é, desde o início, a ideia. Aliás, nem se trata apenas da ideia, trata-se da mentalidade de quem acha que pode brincar aos visionários com o dinheiro dos outros, no caso os contribuintes.

Quando a história do biocombustível ruiu – porque tinha de ruir de tão má que era – inventaram um novo pretexto. Agora as algas já não iam salvar o planeta, mas iam, supostamente, salvar as indústrias alimentar e cosmética. Uma verdadeira reviravolta estratégica, que não era mais do que uma tentativa desesperada de mascarar o fracasso. Mas, mesmo neste novo rumo, não houve nenhum resultado digno de nota. Só mais promessas e mais dinheiro público atirado ao vento.

Tudo isto, claro, feito com a habitual opacidade que caracteriza as decisões políticas na Madeira. Auditorias, relatórios, críticas do Tribunal de Contas – nada pareceu abalar a confiança dos decisores, que continuaram a despejar milhões sem prestar contas a ninguém. E, como sempre, os contribuintes pagam e calam, enquanto os responsáveis políticos fogem das responsabilidades e continuam a gerir o orçamento público como se fosse o monopólio de um pequeno círculo de iluminados.

O mais irritante, no meio de tudo isto, é o desprezo pelos problemas reais. Enquanto milhões eram enterrados nesta fantasia, outras áreas prioritárias, como a saúde ou a educação, permaneciam esquecidas. Mas a lógica é sempre a mesma: é mais fácil cortar fitas numa fábrica de algas do que inaugurar um centro de saúde ou melhorar escolas. A fábrica impressiona porque dá para tirar fotografias. A escola ou o hospital, esses, só servem para lembrar as falhas do quotidiano.

O mais recente capítulo desta tragicomédia revela-se nos valores apontados para a venda da unidade. O Decreto Regulamentar Regional n.º 4/2025/M estipula que a fábrica será alienada por 6 milhões de euros, um valor que já é, em si, um reconhecimento tácito do fracasso – afinal, está a ser oferecida por uma fracção insignificante do que custou. Mas, logo a seguir, a Secretaria Regional dos Equipamentos e Infraestruturas (SREI) aparece a falar em 39 milhões de euros. Pergunta-se: qual é, afinal, o preço que vão pedir por este aborto industrial? Há algum cálculo racional ou trata-se apenas de mais uma manobra para ganhar tempo e fingir que há um plano?

Com toda a franqueza, e sendo absolutamente sério, é difícil acreditar que alguém queira comprar esta inutilidade. Quem, no seu perfeito juízo, investiria milhões numa fábrica com um historial tão desastroso, construída com uma lógica de gestão pública que não tem nenhum paralelo com a realidade empresarial? O mercado, como sempre, é mais implacável do que os discursos políticos. Não há boas intenções ou promessas que transformem um fracasso colossal numa oportunidade de negócio.

A verdade é que, no próximo procedimento concursal, talvez fosse mais sensato oferecer a fábrica, sem qualquer custo (certo, na loucura vender por um euro), a quem tenha coragem para tentar fazer dela algo útil. E, se isso não bastar, o provável é que seja necessário pagar a alguém para assumir este peso morto. Porque, se a história nos ensina alguma coisa, é que os desastres políticos raramente encontram redentores dispostos a salvá-los sem um incentivo substancial. Este não será excepção. E, no final, os contribuintes continuarão a pagar, como sempre, pelo delírio de quem nunca soube medir as consequências das suas decisões.

Janeiro 2025

Nuno Morna



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