Síndrome da Madeira: Uma Democracia Amputada para um Povo Conformado
[texto escrito há uns anos e agora reescrito]
Agosto de 1973. Quatro funcionários de um banco sueco, trancados num cofre durante seis dias, começam a achar que os sequestradores não são assim tão maus. Um dos reféns chega ao ponto de dizer ao primeiro-ministro sueco que confia mais nos criminosos armados do que na polícia que tenta resgatá-los. Eis o nascimento do célebre Síndrome de Estocolmo.
É curioso como este fenómeno psicológico explica tanto do que se passa na política, sobretudo na política madeirense. Porque, sejamos claros, viver na Madeira de hoje é como ser refém de um bando de incompetentes, só que com uma diferença essencial: aqui, os reféns defendem os sequestradores e ainda lhes dão mais poder nas urnas, numa espécie de masoquismo político coletivo.
Comecemos pelo princípio: há 45 anos, a Madeira era uma terra esquecida, sem luz, sem água, sem nada. O PSD chegou, trouxe a luz elétrica, água canalizada, esgotos, estradas e subsídios, muitos subsídios, e o povo caiu de joelhos em adoração. E, claro, como qualquer bom sequestrador, a estratégia foi clara: dar o mínimo para criar dependência, enquanto se vendia a narrativa de que, sem eles, voltaríamos à idade das trevas. Um génio maquiavélico.
Mas não fiquemos pelo romantismo das primeiras décadas. Não, o verdadeiro espetáculo começou quando se percebeu que governar uma autonomia significava, na prática, ter carta branca para torcer, mentir e distribuir favores como se estivéssemos numa monarquia absolutista. Foi aí que vieram as obras faraónicas — túneis para lado nenhum, marinas vazias, centros de saúde por todos os lados, vias rápidas. E a dívida? A dívida. Oculta, claro, porque ninguém precisa de saber o preço do espetáculo enquanto o pão chega à mesa.
O mais impressionante, contudo, não é a corrupção que todos percepcionamos. Isso é banal. O fascinante é a submissão do povo madeirense. Porque, depois de 40 anos de promessas incumpridas, monopólios descarados e um sistema político que cheira a mofo, continuam a votar nos mesmos. E porquê? Porque acreditam na narrativa de que o verdadeiro inimigo está longe, no Terreiro do Paço. Como se fosse Lisboa a impedir a Madeira de diversificar a economia, de criar empregos decentes ou de construir um sistema de saúde funcional. Não, meus amigos, o inimigo está aqui, mas ninguém gosta de olhar para o espelho.
E é aqui que entra o Síndrome. Como os reféns do banco sueco, os madeirenses aprenderam a amar os seus sequestradores. Afinal, já não vivemos no obscurantismo da ditadura, e isso basta para muitos. Água canalizada e eletricidade foram suficientes para garantir décadas de votos cegos. Quem ousa criticar é logo rotulado de traidor ou, pior ainda, de “anti-autonomista”.
Mas há algo de ainda mais perverso neste cativeiro político: os sequestradores nem sequer têm de ser competentes. Não precisam de criar políticas eficazes ou de combater os verdadeiros problemas da região. Basta-lhes manter a narrativa do medo: "Cuidado com Lisboa! Se não formos nós, vêm aí os cubanos roubar o que é nosso!" E assim se perpetua a tragédia: uma democracia de fachada, onde tudo parece normal, mas nada funciona.
O mais irónico de tudo? A culpa não é só dos governantes. É também dos reféns que, com um sadomasoquismo político digno de estudo, continuam a justificar os erros, as mentiras e os abusos dos seus algozes. "Eles roubam, mas fazem!" ou "antes era muito pior!" — frases que mereciam ser gravadas nas lápides da autonomia.
E aqui estamos, numa terra sequestrada, governada por uma elite que se serve do poder como quem expreme uma laranja até à última gota. E o povo? O povo vota, agradece e até aplaude. É a perfeita encenação da democracia: as urnas enchem-se, os discursos fazem-se, e tudo fica na mesma. Mas, claro, a culpa é de Lisboa.
Vivemos numa democracia sequestrada. Não porque nos prenderam, mas porque entregámos as chaves da cela de livre vontade. Um dia, talvez, a Madeira acorde deste transe. Até lá, continuemos a fazer o que fazemos melhor: queixar-nos no café, votar nos mesmos e esperar que os sequestradores, um dia, sejam magnânimos o suficiente para nos libertar.
Setembro 2020 / Dezembro 2024
Nuno Morna

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