Só Resta a Traição
A lealdade é, na política, um dos valores mais essenciais e, simultaneamente, mais incompreendidos. Quando um amigo me perguntou, há dias, qual seria o valor que mais prezava na política, hesitei por um momento, mas a resposta surgiu com a inevitabilidade de uma verdade há muito intuída: a lealdade. Não me refiro, note-se, a uma lealdade cega, acrítica ou submissa, mas àquela lealdade que sustenta projectos comuns, que resiste às tentações do egoísmo e ao peso das circunstâncias adversas. A lealdade, essa virtude hoje quase anacrónica, é o cimento que mantém intactas as relações humanas e políticas num mundo onde o oportunismo e a traição se tornaram regras não escritas do jogo.
A política é, por definição, um terreno de conflito. E é
precisamente nos momentos de maior tensão, quando os interesses se chocam e as
pressões externas corroem até os mais sólidos alicerces, que a lealdade revela
o seu valor inestimável. Não basta concordar ou cooperar em tempos de
prosperidade, o verdadeiro teste da lealdade dá-se nos momentos de crise,
quando a dúvida e o medo ameaçam destruir o que foi arduamente construído. A
política, como qualquer outra forma de convivência humana, depende da confiança.
E essa confiança, que não nasce por decreto nem pode ser fabricada
artificialmente, é o produto directo de uma lealdade coerente e duradoura.
Mas há outra dimensão da lealdade que importa destacar. Para
além de ser o escudo que protege alianças em tempos de dificuldade, a lealdade
é também o motor da cooperação. Sem ela, o trabalho colectivo transforma-se
numa dança de vontades desconexas, cada qual puxando para o seu lado. A
lealdade é aquilo que permite a líderes e governados, aliados e adversários,
manterem-se fiéis a um objectivo maior, mesmo quando os pequenos interesses do
momento convidam à dispersão. É ela que transforma concorrentes em parceiros e
que sustenta coligações e alianças num mundo onde a regra é dividir para
reinar.
A lealdade não pode nunca ser confundida com subserviência.
Quando cega e acrítica, deixa de ser virtude para se transformar em instrumento
de opressão interna e estagnação política. Não é de uma lealdade servil que a
política precisa, mas de uma lealdade lúcida, informada, que saiba resistir
quando necessário e cooperar quando possível.
Neste tempo que nos coube viver, onde a política se tornou
um espectáculo de vaidades e o egoísmo triunfou sobre quase todas as outras
formas de relação humana, a lealdade surge como um valor contra-cultural, quase
revolucionário. Num ambiente onde o oportunismo reina e a traição é apenas mais
uma jogada no tabuleiro, a lealdade parece uma relíquia do passado, uma
ingenuidade condenada ao fracasso. Mas é precisamente pela sua raridade que ela
se torna tão necessária. Sem lealdade, a política reduz-se a um jogo cínico e
vazio, incapaz de gerar confiança e, por conseguinte, progresso. A lealdade,
afinal, é aquilo que nos relembra que a política, mesmo em toda a sua
imperfeição, pode ainda ser um esforço colectivo para algo maior. Sem ela não
há confiança e sem confiança não há futuro.
Dezembro 2024
Nuno Morna

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