Vergonha Diplomática

Devo confessar que a recente decisão do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, de se deslocar a Moçambique para assistir, hoje, à tomada de posse de Daniel Chapo como Presidente da República daquele país, não me surpreende. Este tipo de subserviência diplomática, tão característica da política externa portuguesa, é um traço que persiste, imune ao tempo e à vergonha. Não se trata apenas de um erro de cálculo, é, como sempre, uma demonstração clara da nossa incapacidade crónica de assumir uma posição digna e coerente no plano internacional.

Não sejamos ingénuos. A presença de um representante oficial de Portugal num acto que consagra um regime eleito através de métodos fraudulentos é, na prática, uma validação tácita da fraude. É um gesto que diz, alto e bom som, que as proclamações lusitanas sobre a democracia e os direitos humanos não passam de retórica vazia, prontamente descartável quando os interesses estratégicos o exigem. Não nos iludamos, ao participar nesta farsa, Portugal descredibiliza-se, alinhando-se com aqueles que desprezam os princípios fundamentais de liberdade e autodeterminação.

As eleições em Moçambique foram um espectáculo grotesco de fraude descarada e intimidação política. Não é segredo para ninguém que as práticas anti-democráticas, desde o enchimento das urnas até à exclusão de observadores independentes, foram tão evidentes quanto vulgares. O próprio povo moçambicano, desiludido e desencantado, respondeu com um boicote silencioso: nas províncias do Norte, como Nampula e Zambézia, a participação foi miserável. Mas, mesmo perante estes sinais inequívocos, Portugal opta pelo caminho da complacência.

Este episódio envergonha-nos. Em vez de liderar um esforço internacional para condenar a fraude e pressionar o regime de Chapo, escolhemos dobrar a espinha e comparecer à sua coroação. Sob a desculpa hipócrita da “diplomacia”, lavamos as mãos do destino de Moçambique, tal como Pilatos fez há dois mil anos.

Não me venham com justificações sobre “interesses estratégicos” ou “laços históricos”. Não há interesse nacional que justifique esta traição aos valores que Portugal, pelo menos em teoria, deveria defender. Cada presença numa cerimónia como esta é um golpe na credibilidade das nossas instituições, uma mensagem clara de que a nossa política externa é conduzida sem coluna vertebral, sem princípios, sem alma.

E o que dirá o povo moçambicano? Aqueles que, com coragem, desafiam o regime corrupto e fraudulento? Aqueles que deram a vida pela liberdade? O que pensarão ao ver o representante de uma velha potência colonial — que tantas vezes se gaba de ser uma defensora da democracia e dos direitos humanos — a sorrir complacentemente ao lado de um autocrata? A resposta é óbvia: verão em nós não aliados, mas cúmplices.

Se há algo que aprendi sobre o nosso país, é que Portugal raramente resiste à tentação de ser pequeno. E este episódio é mais uma prova disso. Mas deixem-me ser claro: não é apenas o Ministro que erra. É o Governo, é o Presidente da República, é todo um sistema que insiste em tolerar o intolerável. Uma vergonha nacional que só a história terá a coragem de julgar com a severidade que merece.

Janeiro 2024

Nuno Morna



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