Acorda Europa
A relação entre a União Europeia e o Canadá é uma daquelas evidências que ninguém discute porque, simplesmente, ninguém se lembra dela. A Europa, ocupada com a sua crise existencial permanente, e o Canadá, perdido na sombra americana, nunca fizeram desta parceria aquilo que ela poderia ser: uma verdadeira aliança estratégica, útil e eficaz. Mas, num mundo onde a ordem liberal se desmorona à vista de todos, onde a Rússia e a China desafiam abertamente os valores ocidentais e onde os próprios Estados Unidos oscilam entre o protecionismo e a imprevisibilidade, a pergunta impõe-se: o que espera a União Europeia para consolidar esta relação? Não seria tempo de levar o Canadá a sério?
O Canadá é, por todas as razões, o parceiro ideal da Europa. Trata-se de um país com uma democracia madura, instituições sólidas e um modelo económico que, embora assente na exploração de recursos naturais, mantém um equilíbrio notável entre mercado e Estado. Além disso, partilha com a Europa preocupações fundamentais, como as alterações climáticas, a defesa da ordem internacional baseada em regras e a necessidade de conter o autoritarismo crescente que ameaça os velhos alicerces do Ocidente. Não há, portanto, qualquer justificação racional para que esta parceria continue num estado de morna indiferença.
O único acordo relevante existente, o CETA (Comprehensive Economic and Trade Agreement), navega num limbo jurídico incompreensível. Assinado em 2016, implementado provisoriamente desde 2017, continua sem ratificação plena porque alguns Estados-membros da União Europeia, numa lógica de mesquinha política interna, insistem em bloqueá-lo. Como se a Europa pudesse dar-se ao luxo de dispensar um mercado desenvolvido, com um PIB per capita superior ao da média europeia, e onde há procura real por produtos e serviços europeus. Como se a Europa pudesse dispensar um parceiro que poderia ajudar a reduzir a sua dependência da China e de outras potências pouco recomendáveis. Mas, claro, o que são factos económicos e estratégicos contra o populismo e a demagogia barata?
Entretanto, a Europa descobre a sua fragilidade geopolítica. A guerra na Ucrânia revelou, com brutalidade, a dependência energética do continente. A resposta? Uma corrida desordenada a fontes alternativas, muitas delas tão pouco fiáveis quanto a Rússia. O Canadá, que dispõe de reservas significativas de gás natural e minerais críticos necessários para a transição energética, continua a ser tratado como um fornecedor secundário, quando deveria estar no centro da estratégia europeia de segurança energética. Uma relação estruturada, formalizada num verdadeiro tratado de parceria, garantiria um abastecimento seguro e previsível, diminuindo a vulnerabilidade europeia perante crises externas. Mas, para isso, seria preciso que alguém em Bruxelas tivesse uma visão minimamente coerente para além do curto prazo e das eleições nacionais.
Depois, há o plano político. A Europa continua a falar de “valores democráticos”, “defesa da ordem liberal” e “multilateralismo”, mas faz pouco ou nada para reforçar as alianças que podem efectivamente sustentar essas ambições. O Canadá, ao contrário de outras democracias liberais que têm os seus próprios problemas internos, é um parceiro estável e previsível. Uma aproximação estratégica permitiria à União Europeia fortalecer a sua presença no tabuleiro global, coordenando posições em organismos internacionais e garantindo uma maior margem de manobra face às potências que tentam redesenhar a ordem mundial. Mas, para isso, seria preciso uma coisa que a União Europeia já há muito perdeu: iniciativa.
A solução? Uma cimeira UE-Canadá, agora, imediatamente, sem mais desculpas nem adiamentos. Uma cimeira que sirva para ultrapassar o impasse do CETA, para definir um plano estratégico para a segurança energética, para criar um quadro de cooperação em inovação, inteligência artificial e cibersegurança, e, acima de tudo, para mostrar que a Europa ainda sabe agir quando necessário. Mas, claro, tudo isto parte do princípio de que os líderes europeus ainda têm uma noção mínima de estratégia. O que, infelizmente, é uma premissa cada vez mais difícil de sustentar.
Fevereiro 2025
Nuno Morna
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