Liberalismo: Leitura e Reflexão
É evidente, embora nem sempre consensual, que a palavra “liberal”
é usada descuidadamente por muitos que pouco ou nada têm de verdadeiramente
liberais, além do nome. Num mundo ideal, talvez devêssemos exigir que quem se
proclama defensor das liberdades liberais tivesse uma base sólida, fruto da
leitura de certas obras essenciais. Não por elitismo, mas porque o liberalismo,
em toda a sua riqueza e subtileza, só se revela através do estudo sério e
aprofundado. Isto não se aprende com frases feitas, vídeos simplistas ou
discursos vazios sobre liberdade.
O percurso formativo de qualquer liberal deve começar com
John Locke e o seu “Segundo Tratado sobre o Governo Civil”, que
estabelece os fundamentos do contrato social e dos direitos inalienáveis do
indivíduo. Sem este conhecimento, discutir liberalismo é como falar de poesia
sem nunca ter lido um poema. Depois, há Adam Smith, autor de duas obras
indispensáveis. “A Riqueza das Nações” é uma referência óbvia, mas “A
Teoria dos Sentimentos Morais” é igualmente crucial para compreender a
visão de Smith sobre a moralidade e a economia. Smith reconhece que as
interacções humanas não são guiadas apenas pelo interesse próprio, mas também
por normas éticas e de justiça. Ler ambas as obras em conjunto oferece uma
perspectiva completa, onde economia e moralidade se entrelaçam de forma
indissociável.
Também essencial é Alexis de Tocqueville, com “A
Democracia na América”, que analisa os desafios e as virtudes do
liberalismo numa sociedade democrática. Tocqueville alerta-nos para os perigos
do “despotismo suave”, algo que muitos liberais de hoje parecem ignorar.
Passando para o século XX, Friedrich Hayek, em “O Caminho da Servidão”,
faz uma crítica contundente ao controlo estatal, mostrando como ele conduz
inevitavelmente à perda de liberdade individual. Da mesma forma, Milton
Friedman, em “Capitalismo e Liberdade”, explora a relação entre o
mercado livre e as liberdades civis, desmontando ideias preconcebidas sobre o
papel do Estado.
Outra leitura obrigatória é “Sobre a Liberdade”, de
John Stuart Mill. Mill defende a liberdade de expressão e a importância do
desenvolvimento individual, com uma máxima clara: a liberdade de um termina
onde começa o prejuízo ao outro. Esta ideia simples, mas poderosa, mantém-se
tão actual hoje como quando foi escrita. Isaiah Berlin, com o seu ensaio “Dois
Conceitos de Liberdade”, distingue liberdade negativa (ausência de
restrições) de liberdade positiva (autonomia sobre a própria vida). Berlin
alerta para os perigos de uma falsa liberdade que procura impor uma “vida
verdadeira” definida pelo Estado.
Para quem quer ir mais além, “Anarquia, Estado e Utopia”,
de Robert Nozick, é uma resposta provocadora às teorias de justiça de John
Rawls, cuja leitura também não faz mal nenhum. Nozick defende um Estado mínimo,
argumentando que qualquer expansão estatal viola os direitos individuais.
Finalmente, não podemos ignorar Karl Popper e “A Sociedade Aberta e Seus
Inimigos”. Popper defende que, numa sociedade livre, é essencial permitir a
crítica e a mudança, evitando o dogmatismo e o totalitarismo.
Estes livros não são apenas leitura de cabeceira, são a base
do pensamento liberal. Ninguém pode ser verdadeiramente liberal sem os ler. Sem
eles, o debate sobre liberalismo torna-se vazio, reduzido a “slogans” e
superficialidades. Será que é pedir muito esperar que o conhecimento volte a
ser mais valorizado do que os títulos ou as aparências? Ignorar esta
necessidade é, no mínimo, ingénuo e, no pior dos casos, deliberadamente
enganador.
PS: Em breve, falarei de algumas obras não liberais que,
ainda assim, um liberal deve conhecer.
Janeiro 2025
Nuno Morna
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