O Coisa

Nos partidos há sempre umas figuras de pouco, mas que se acham de muito. O Coisa é uma criatura partidária típica, vulgar e, ao mesmo tempo, a mais perniciosa do nosso sistema político. Não faz, pensa que pensa, e adora condicionar à sua sabedoria o que se decide. Não tem grandes ideias, mas também não precisa delas. Move-se pelo instinto mais primário de todos: a conservação. Conservar o lugar, o estatuto, as ligações. Conservar, sobretudo, o poder difuso, esse poder mole e viscoso que escorre pelos corredores dos partidos, das secretarias, das câmaras, dos ministérios. O Coisa é a quinta-essência do país que nunca se reforma, que nunca avança, que prefere a inércia confortável ao risco de mudar. Uma espécie de apêndice testicular que não participa, mas quer muito fazê-lo.

Nos partidos, o Coisa é aquele que está sempre lá. Era jovem nos tempos de Alberto João Jardim ou de Jardim Fernandes, mas nunca envelheceu. É eterno, imutável, uma peça do mobiliário. Sobrevive às derrotas eleitorais, aos escândalos, às purgas internas. Está lá quando tudo implode e, no dia seguinte, emerge incólume, com o mesmo ar cansado, a mesma retórica de salão, a mesma habilidade para dizer nada. É o mestre da ambiguidade, o príncipe do vazio.

Mas não se iludam: o Coisa não é um erro do sistema, ele é o sistema. É o garante da estabilidade, o fiador da mediocridade instalada. Os que ambicionam reformas têm de lidar com ele, bajulá-lo, garantir que nada o perturba. Não se opõe abertamente, claro — isso seria demasiado arriscado. Prefere a sabotagem discreta, os adiamentos inexplicáveis, a burocracia infinita. O Coisa é o obstáculo intransponível, o muro invisível que bloqueia qualquer avanço.

A Madeira está cheio de Coisas. Habitam todos os partidos, todas as instituições. São a memória viva da Região que sempre soube adiar o essencial. E não se vão embora porque não há quem os mande embora. A sua força está na fraqueza dos outros, na cobardia das lideranças, na paciência infinita de uma sociedade resignada. O Coisa não é apenas uma figura política, é um estado de espírito, uma praga endémica que corrói tudo desde as Juntas de Freguesia até à Quinta Vigia. E, enquanto existir, a Madeira permanecerá como está: suspensa, hesitante, à espera de qualquer coisa que nunca chega.

Janeiro 2025

Nuno Morna




Comentários

Mensagens populares deste blogue

Silêncio Frio: O Funeral Turístico do Ribeiro

O Dia em que o JPP se Demitiu de Santa Cruz.

O cadáver adiado que se recusa a sair de cena.