O Peso Cego da Maioria
A maioria, essa coisa informe, esse bicho de muitas cabeças
que se move devagar, que está em todo o lado, entrando e saindo dos cafés, dos
autocarros, das repartições públicas, sempre convencida de que tem razão porque
é maior, porque são muitos, porque são mais. A maioria que fala alto e ri nas
esplanadas, que se junta nos comícios e acena com a cabeça, a maioria que vota
e pensa que manda, que governa sem saber governar, que decide sem pensar, que
segue porque seguir é mais fácil do que escolher um caminho.
Lembro-me de quando era pequeno e o meu avô me dizia que o
problema não era o poder absoluto de um homem só, mas a força implacável da
multidão, dos que não pensam e arrastam consigo os outros, a avalanche de carne
e fumo que engole os que discordam, os que hesitam, os que duvidam. “Olha, meu
neto, tem cuidado com a maioria, que a maioria não perdoa, não esquece, não
admite que alguém se atreva a dizer-lhes que estão errados”.
A ditadura da maioria começa no trabalho, nos corredores das
instituições, nos olhares de soslaio dos vizinhos quando alguém diz uma coisa
que não devia dizer. Uma democracia saudável, dizem os jornais, dizem os
políticos de sorriso envernizado, dizem os comentadeiros que passam os dias a
falar na televisão como se soubessem alguma coisa da realidade. Mas a
democracia, essa palavra que enchem de flores e bandeirinhas, não passa de um
pretexto para os mais espertos imporem a sua vontade aos mais burros, desde que
os burros sejam em número suficiente para lhes dar razão. E os que protestam,
os que se atrevem a não concordar, a fazer perguntas incómodas, são engolidos
pelo silêncio ou, pior, pela chacota, pelo desprezo, por aquele riso frio que
diz “aqui mandamos nós”.
A Madeira está cheia deles, da maioria, dos que se julgam
donos da verdade porque o governo o diz, porque o partido manda, porque os
outros pensam igual. E a maioria vai governando, ocupando os lugares,
distribuindo favores, fechando as portas devagar, uma a uma, para no fim restar
apenas um corredor estreito por onde todos terão de passar, sem espaço para
pensar, sem espaço para respirar.
A história repete-se, sempre. A ditadura nunca desaparece.
Troca de nome, muda de cara, veste-se de novas palavras, mas está sempre ali,
escondida atrás dos números, dos gráficos, dos discursos bem-intencionados. A
maioria nunca se engana, a maioria nunca pede desculpa, a maioria nunca se vê
ao espelho e pergunta "será que estamos errados?". Não. A maioria
avança. A maioria atropela. A maioria governa. E o resto, os que olham pela
janela e sabem, os que sentem a asfixia chegar, que esperem pela próxima vez.
Se houver uma próxima vez.
Dezembro 2024
Nuno Morna

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