O Presidente Que Escolhermos: Entre a Ilusão e o Destino

A política, como a doença, como a velhice, como a chuva que cai devagar sobre telhados de zinco, tem uma maneira própria de se infiltrar, de se instalar nos ossos, de se entranhar na pele até se tornar parte do corpo, um tumor pequeno que cresce, cresce, cresce até tomar conta do organismo. O poder é um tumor. A ambição é um tumor. E, em cada eleição, olhamos para os rostos nos cartazes, para os nomes nas listas, para as vozes atropeladas nos debates como cães à volta de um osso, e perguntamo-nos: quem, entre estes, é o que vai governar? Quem, entre estes, vai sentar-se na cadeira e mandar?

Porque não se trata só de escolher um nome. Trata-se de imaginar essa pessoa sentada no gabinete, as mãos sobre a secretária, os telefones a tocar, as decisões a empilharem-se como cadáveres numa vala comum. O Presidente do Governo é um homem sozinho. Um homem que carrega, na ponta dos dedos, o destino de todos os outros. Mas o que fazem os eleitores? Os eleitores olham para os sorrisos dos cartazes, leem as promessas escritas numa folha de papel mal dobrada, ouvem os discursos que se repetem como salmos e votam, porque se vota, porque se tem de votar, porque alguém lhes disse que votar é um direito, que votar é um dever. E depois? Depois é tarde.

Um Presidente do Governo precisa de saber. De saber mesmo. Não de fingir que sabe. Não de decorar meia dúzia de frases feitas para atirar nas entrevistas. Mas de saber. Saber que a Madeira não é um postal, que os números não são apenas números, que a pobreza não é estatística, que as casas degradadas cheiram a bolor e a desespero e as finanças da Região não se resolvem com conferências palavras bonitas, que crescimento e PIB não são o mesmo. O problema é que a política está cheia de gente que não sabe. Cheia de vozes que falam sem dizer nada, cheia de sorrisos colados com cuspo, cheia de pequenas vaidades, de pequenos poderes, de pequenos esquemas que crescem como fungos na sombra.

Depois, há os que não são apenas ignorantes, mas fracos. Os que pensam que governar é sorrir para as câmaras, mandar distribuir subsídios, cortar fitas de inauguração, sentar-se em mesas de restaurante a beber vinho com os empresários certos, telefonar a jornalistas para garantir que a notícia do dia seguinte será favorável. Um Presidente do Governo não pode ser fraco. Não pode ser tíbio. Não pode ser um boneco de ventríloquo com a voz de outros. Tem de ser alguém que olhe nos olhos, que imponha respeito, que não se deixe esmagar pelos caciques, pelos poderes instalados, pelos interesses que se movimentam como sombras nas paredes da Quinta Vigia.

E depois há a palavra que todos dizem, mas poucos entendem. Autonomia. Autonomia repetida como um refrão de fado, como uma ladainha sem sentido, como um lema vazio numa bandeira a desfazer-se ao vento. Mas autonomia não é um chavão. Autonomia é saber bater o pé quando Lisboa decide tratar a Madeira como um sobrinho pobre a quem se dá a mesada quando calha. Autonomia é ter força para exigir o que é nosso, sem medos, sem hesitações, sem subserviências ridículas. Autonomia não é andar a mendigar fundos, nem fingir que se governa enquanto se espera por um cheque do Orçamento de Estado. Autonomia é saber que um Presidente do Governo não responde ao partido, não responde aos amigos do partido, não responde a ninguém que não sejam os cidadãos da Madeira.

E no fim, no dia da eleição, as pessoas vão votar. Vão votar porque se vota, porque alguém lhes disse ser um dever, porque sempre foi assim, porque o pai votava, porque o avô votava, porque já se votava antes de haver electricidade, água canalizada e esgotos. E depois? Depois não interessa. Depois passam-se os anos e os mesmos de sempre voltam ao poder, ou outros iguais aos mesmos, ou os filhos dos mesmos, ou os amigos dos filhos dos mesmos. O povo vota, o Presidente do Governo senta-se na cadeira, as decisões empilham-se sobre a secretária, os telefones tocam, e os eleitores esquecem-se. Porque se esquecem sempre. Até à próxima eleição.

Fevereiro 2025

Nuno Morna

 


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