Trump: Pilhagem ou Morte
Ontem, ao ler no The Telegraph o plano que os Estados Unidos
da América entregaram à Ucrânia, tido como a mais recente maravilha da
diplomacia americana, fiquei horrorizado. Um contrato de vassalagem disfarçado
de “investimento estratégico”, desenhado para transformar a Ucrânia numa
espécie de Porto Rico com crateras de artilharia e um governo eleito apenas
para carimbar os decretos vindos de Washington. O génio por detrás desta
obra-prima de gangsterismo político? O inevitável Donald Trump, o vendedor de casinos
falidos, o monarca absoluto do calote, o homem que fez da chantagem um método
de governação e da ignorância uma ideologia. Agora, armado de uma tabela e de
um instinto predatório que faria corar qualquer CEO de um fundo abutre, Trump
resolveu que a Ucrânia lhe deve quinhentos mil milhões de dólares, porque sim,
porque os americanos “ajudaram” e querem ver o retorno do investimento.
O plano é brilhante na sua brutalidade: Washington
apropria-se de metade das receitas futuras da extracção de recursos naturais da
Ucrânia, estabelece um direito de primeira opção sobre tudo o que seja
remotamente valioso e impõe uma cláusula de privilégio de pagamento, garantindo
que os ucranianos morrem à fome, mas pagam primeiro a Trump & Companhia.
Não satisfeitos, os americanos garantem ainda imunidade soberana e jurisdição
exclusiva sobre qualquer disputa, porque a justiça internacional é muito bonita,
desde que não se aplique a eles. No fundo, trata-se da versão moderna dos
contratos que os britânicos impunham à China no século XIX, só que desta vez o
ópio é substituído por titânio, tungsténio e grafite.
E se a Ucrânia se recusar a assinar este papel de rendição
económica? Simples: Trump deixa Putin engolir o país e segue viagem para o Mar-a-Lago,
onde, entre um hambúrguer e um taco, poderá explicar na Fox News como a Ucrânia
não soube fazer “o melhor negócio possível”. Eis a diplomacia segundo Trump: a
escolha entre a ocupação militar russa ou a pilhagem económica americana. Mas
atenção, não se trata de extorsão, longe disso, são apenas “negócios”, como
diria o próprio, com aquele sorriso de vendedor de automóveis de segunda mão
que consegue enganar os “vilhões” de sempre.
Claro que isto não tem nada a ver com “defender a
democracia”, “proteger a soberania ucraniana” ou qualquer uma dessas tretas que
os intelectuais de Washington adoram recitar antes de um brunch em
Georgetown. A Ucrânia não é um aliado, é um activo. Um pedaço de terra valioso,
repleto de minerais estratégicos, infraestruturas para reconstruir e uma
população suficientemente desesperada para aceitar qualquer coisa. Zelensky,
que ingenuamente achou que dar acesso aos recursos naturais da Ucrânia seria
suficiente para garantir a protecção americana, descobriu da pior forma o que
qualquer aluno de História deveria saber: os Estados Unidos não têm aliados,
têm clientes - e quando os clientes não podem pagar, passam a devedores.
A ironia, claro, é que os ucranianos pagam a factura da
guerra, enquanto Moscovo escapa sem pagar um tostão. Os russos destruíram
cidades inteiras, assassinaram milhares e empurraram a economia ucraniana para
o colapso, mas, no final, são os americanos que apresentam a conta, uma conta
que nem o Tratado de Versalhes ousou impor à Alemanha em 1919. A Rússia pode
continuar a bombardear, a violar tratados e a anexar territórios, sem grandes
consequências. Mas a Ucrânia, que teve a ousadia de resistir, recebe um “ultimatum”:
assinem aqui e entreguem tudo ou preparem-se para ser engolidos pelo Kremlin.
Entretanto, a Europa, esse eterno pântano de cobardia e
irrelevância, assiste em silêncio. Os alemães fingem que não viram nada, os
franceses preparam mais um comunicado inócuo a divulgar depois da reunião só
com alguns (porque há uns europeus que o são mais do que os outros) e os
burocratas de Bruxelas continuam a acreditar que se pode derrotar um mafioso
com boas intenções e regulamentos. A NATO, que há dois anos era a grande
defensora da liberdade, agora descobre que Trump trata a aliança como trata os
seus empregados: serve enquanto for útil, depois pode ser descartada. Os
idiotas do costume continuarão a repetir que os Estados Unidos são “o líder do
mundo livre”, ignorando que Trump só lidera a si próprio e que a única coisa
que vê no mundo são oportunidades de negócio.
No final, a Ucrânia não tem escolha. Pode vender a alma ou
perdê-la à força. E Trump, com a sua proverbial subtileza, não faz questão de
esconder a natureza do esquema. Nas suas próprias palavras: “o meu estilo de
negociação é simples, continuo a empurrar e empurrar até conseguir o que quero”.
E quando Trump quer, normalmente consegue. Porque há sempre um Zelensky
desesperado, uma Europa submissa e um exército de crédulos prontos a acreditar
que o império americano é diferente dos outros. Não é. E a Ucrânia está prestes
a aprender essa lição da pior maneira possível.
Fevereiro 2025
Nuno Morna
Comentários
Enviar um comentário