A Estupidez Triunfal da Retaliação
A primeira coisa que me ocorre é a imagem de um velho alfaiate em Lisboa, mãos manchadas de giz, a apertar os últimos pontos de um fato que ninguém irá buscar. Ou talvez um barco a remos na baía do Funchal, boiando ao sabor da corrente sem saber para que lado ir, inútil e sem leme, como a Europa nestas crises comerciais, perdida num mar de discursos e resoluções burocráticas que não levam a nada. A ideia de responder às tarifas de Trump com tarifas sobre produtos americanos é tão vazia, tão errada, tão profundamente europeia na sua ilusão de justiça, que até cansa.
O problema, claro, não é só Trump, nem sequer as tarifas, nem sequer o comércio, que é coisa de quem acredita que o mundo pode ser organizado em tabelas e estatísticas e curvas que sobem e descem como o ritmo de uma respiração ofegante. O problema é a ilusão, a mesma ilusão que enche corredores de gabinetes em Bruxelas, onde senhores pálidos de fato azul falam de “soberania económica” e “resiliência estratégica” sem nunca terem posto os pés numa fábrica, sem nunca terem visto um agricultor amarrar tomates a uma estaca, sem nunca terem sentido na pele o peso de um negócio que pode falir de um dia para o outro porque um idiota em Washington decidiu proteger os seus eleitores da Pensilvânia.
E então a resposta, que só podia ser europeia, é imediata, previsível, tola: vamos retaliar, vamos proteger os nossos interesses, vamos castigar os americanos como se a América ligasse alguma coisa ao castigo da Europa, como se um fabricante do Ohio acordasse a meio da noite suado de medo porque Bruxelas impôs uma tarifa sobre o milho. O que acontece, claro, é que as tarifas não magoam Trump, nem os seus amigos, nem sequer os Estados Unidos no seu todo. As tarifas magoam os europeus, aqueles que todos os dias entram num supermercado e pagam mais por produtos importados, aqueles que compram carros que dependem de peças americanas e vêem os preços subir, aqueles que gerem pequenas fábricas que, sem matéria-prima barata, começam a ver os custos a aumentar como uma maré de Janeiro, lenta, mas inexorável.
E depois há a guerra, a guerra comercial que nunca fica só pela primeira bala, porque retaliar nunca resolve coisa alguma, apenas convida a mais retaliação, mais tarifas, mais represálias, um ciclo que vai apertando a economia até que, no fim, não há vencedores, só destroços e empresas falidas e trabalhadores que vêem os seus empregos a desaparecer. Foi o que aconteceu com a China, a mesma China que Trump quis castigar e acabou por fortalecer, a mesma China que usou as tarifas para acelerar a sua independência tecnológica enquanto os americanos pagavam mais caro pelos seus próprios produtos. A Europa não aprendeu nada. Nunca aprende.
Mas o problema maior, aquele que se sente como um peso no estômago, como um cheiro a papel velho em corredores de ministérios, é que a Europa não tem força para esta luta. Os americanos podem suportar anos de proteccionismo porque são uma economia imensa, auto-suficiente, que pode perder um parceiro comercial sem tremer. A Europa não. A Europa precisa do comércio como precisa de ar, precisa dos mercados internacionais porque sem eles não há Alemanha industrial, nem França agrícola, nem Itália mecânica, nem sequer Portugal turístico, este Portugal de praias e restaurantes e vinho verde que depende de cada turista americano que vem gastar dinheiro sem olhar para o preço.
E depois há a contradição, essa eterna contradição europeia de se querer livre, de se querer aberta, de se querer a defensora das regras e do comércio internacional e, ao mesmo tempo, de agir como um qualquer país pequeno e provinciano que fecha as portas assim que sente um golpe de vento. Bruxelas diz que acredita no comércio livre, mas ao primeiro sinal de ataque vira-se para o proteccionismo com a rapidez de um rato que foge da luz. E isto, claro, não passa despercebido. Quem confiará na União Europeia depois disto? Quem aceitará assinar tratados, quem acreditará na sua palavra, se a sua resposta a Trump é simplesmente tornar-se numa versão menor e menos eficaz da América?
A resposta deveria ser outra. Poderia ser outra. Poderia ser reforçar acordos com outros países, criar alternativas, construir uma rede comercial que tornasse as tarifas americanas irrelevantes. Poderia ser investir nas suas próprias empresas, baixar impostos sobre a produção, reduzir a burocracia, tornar a Europa um lugar onde se pode criar riqueza sem pedir licença a um exército de funcionários públicos. Mas não. Não é isso que acontece, nem nunca acontecerá. O que acontece, o que sempre acontece, é que se responde ao erro com mais erro, à estupidez com mais estupidez, à tarifa com outra tarifa, e no fim, quando se contar os estragos, os discursos continuarão, as reuniões continuarão, os relatórios continuarão, e ninguém assumirá a culpa porque a culpa dissolver-se-á nas paredes dos gabinetes, na memória curta dos políticos, na indiferença de quem já viu tudo isto antes e sabe que nada, nunca, mudará.
Março 2025
Nuno Morna
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