Conservadores-Liberais, um mito conveniente
A confusão entre conservadorismo e liberalismo, esse equívoco repetido como um refrão desafinado ao longo das décadas, é uma daquelas ideias que não morrem porque ninguém tem paciência para as enterrar. Fizeram dela um mantra, um bordado político onde se alinhavam as palavras certas, um truque de feira para distrair os incautos. Mas a verdade, essa maldita, continua lá, inamovível: conservadorismo e liberalismo não se misturam, como azeite e água, como manhãs frias e cafés vazios, como a infância e a notícia da primeira morte. O "conservador-liberal" não passa de uma invenção linguística para justificar contradições, um animal político de duas cabeças que nunca olha para o mesmo lado. E, no fim, nem conserva nem liberta: apenas paira, hesitante, entre um passado que não entende e um futuro que lhe dá medo.
Hayek explicou isto com a precisão de um cirurgião que disseca um órgão moribundo, com a paciência de quem já viu demasiadas tragédias para se incomodar com esta. O conservadorismo, escreveu ele, "não é um programa de ideias, mas um reflexo instintivo contra a mudança". E aqui está o problema. Porque a liberdade não é um sítio onde se chega e se fica, não é uma relíquia de museu, não é um edifício a preservar: é um rio em movimento, é a maré que sobe e desce, é o caminho que se faz caminhando, como dizia o outro. O conservador não quer caminhar. O conservador quer estar, fixo, colado às pedras do passado, a olhar para um mundo que já não existe, como um velho a revirar gavetas à procura de cartas amarelecidas que já ninguém escreve.
Milton Friedman, que tinha menos paciência para metáforas e mais para números, desmontou outra ilusão deste conservadorismo disfarçado de liberalismo: a ideia de que se pode querer um mercado livre e um Estado moralista ao mesmo tempo. Como se fosse possível abrir as jaulas da economia e, ao mesmo tempo, reforçar as correntes da tradição, como se a liberdade fosse uma coisa distribuída por secções, um pouco para aqui, um pouco para ali, consoante o gosto do freguês. "A liberdade económica e a liberdade individual não podem ser separadas", disse ele, seco, sem margens para discussão. Mas os conservadores-liberais, sempre tão engenhosos quando se trata de arranjar desculpas, insistem que sim, que se pode ter um governo que tira as mãos do mercado, mas as mantém firmemente fechadas sobre os costumes, sobre os corpos, sobre as palavras que se podem ou não dizer.
Mises, com a impaciência de quem já viu tudo e já se cansou de repetir, apontou o dedo à verdadeira natureza do conservadorismo: "não é uma filosofia, mas um instinto de defesa dos interesses estabelecidos". O que significa, numa linguagem menos delicada, que os conservadores não defendem o livre mercado: defendem os seus mercados. Não querem concorrência, querem segurança. Não querem inovação, querem privilégios. Por isso aceitam proteccionismo quando lhes convém, subsídios quando os beneficiam, regulamentações quando servem para manter os indesejáveis à margem. No fundo, não têm problemas com o Estado — desde que o Estado esteja ao seu serviço.
Mas ninguém denunciou este logro como Rothbard. Rothbard, que não tinha paciência para hipocrisias, não se deu ao trabalho de procurar eufemismos. "Os conservadores falam de liberdade, mas apenas quando lhes convém", escreveu, sem rodeios, sem anestesia. Para ele, o conservador-liberal era apenas um estatista que sabia esconder melhor as suas intenções. Dizem-se contra o colectivismo, mas defendem censura. Dizem-se contra o autoritarismo, mas apoiam uma máquina de segurança cada vez maior. Dizem-se contra o politicamente correcto da esquerda, mas impõem o seu próprio código de moralidade, as suas proibições, os seus tabus, as suas guerras culturais, porque, no fundo, também acreditam que o Estado deve ter o direito de decidir pelo indivíduo — mas num sentido diferente.
No entanto, apesar destas evidências, continuam a reciclar esta mistificação com a obstinação de quem não tem mais nada para oferecer. Os conservadores-liberais continuam a falar do melhor dos dois mundos, quando, na verdade, o que oferecem é o pior dos dois: o peso da tradição sem a segurança do progresso, o intervencionismo sem o pretexto da igualdade, a vigilância sem a promessa da utopia. Repetem fórmulas que já foram desmentidas mil vezes, como um velho com Alzheimer que insiste na mesma história, a mesma história, a mesma história, e ninguém tem coragem para o interromper.
O problema do conservadorismo-liberal não é apenas a sua incoerência - é a forma como arrasta o liberalismo para a irrelevância. Como um barco que se afunda lentamente sem que ninguém tenha coragem para saltar, como um relógio que continua a marcar as horas muito depois de a casa estar vazia. Querem um liberalismo de compromisso, um liberalismo de conveniência, um liberalismo que possa sentar-se à mesa do poder sem perturbar demasiado a ordem das coisas. Mas a liberdade não se acomoda, a liberdade não pede licença, a liberdade não espera pela validação do passado. E, no fim, quando tudo o resto desaparecer, quando as máscaras forem caindo uma a uma, ficará apenas a pergunta inevitável, repetida ao longo dos séculos sempre que alguém tenta vender esta ilusão: liberdade para quê?
Março 2025
Nuno Morna
Excelente artigo.
ResponderEliminarO Zé manel rodrigues devia o ler varias vezez.
Acredito no mesmo! Obrigada por o teres escrito tão bem. Bjnho desde o continente
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