Miguel Albuquerque, o nome verdadeiro da instabilidade.

Miguel Albuquerque, esta figura que se arrasta, já quase sem rosto, meio apagado pelo uso contínuo, pelo cansaço da sua própria sombra que o persegue, tornou-se, sem que ninguém o tenha verdadeiramente desejado, o epicentro doloroso da instabilidade na Madeira. Não uma instabilidade que se veja claramente, que se exponha à luz crua do meio-dia, mas uma instabilidade subterrânea, inquietante, feita de dúvidas e silêncios, feita de meias verdades sussurradas nas ruas estreitas do Funchal, feita de insinuações que escorrem lentamente, como humidade pelas paredes velhas das casas.

Venceu as eleições, sim, mas que vitória foi esta, vitória que tem o gosto amargo da derrota inevitável, vitória que tem a fragilidade do vidro fino prestes a estilhaçar-se ao mínimo sopro judicial? Porque Miguel Albuquerque é arguido, acusado de corrupção, participação económica em negócios escuros como poços profundos, prevaricação, palavras que os jornais repetem, gastam até ao vazio, palavras que os políticos ouvem com a indiferença de quem há muito perdeu a capacidade de sentir vergonha. Esta ilha, que já viu demasiadas promessas falhadas, já não se espanta com nada, apenas espera com um cansaço paciente a próxima desilusão.

Desde Janeiro de 2024 que Albuquerque carrega consigo esta cruz, pesada e invisível, recusando largar o poder como um náufrago se agarra desesperadamente ao pedaço de madeira que o mantém vivo por mais umas horas. Em Portugal, como sabemos, ninguém é culpado até prova em contrário, e mesmo então, a culpa é uma coisa vaga, diluída, que ninguém verdadeiramente assume, nem os culpados, nem os inocentes, nem sequer os juízes, que têm por hábito deixar tudo suspenso, indefinido, à espera de que o tempo faça esquecer os crimes e os criminosos.

Em Março de 2025, Albuquerque voltou a ganhar as eleições, antecipadas precisamente pela crise que ele próprio provocou, com a arrogância triste daqueles que acreditam ter um direito quase divino ao poder. E ganhou porque os partidos, essas máquinas gastas e sonâmbulas, preferem sempre se repetir eternamente, fingindo que mudam enquanto tudo permanece exactamente igual. O PSD da Madeira é apenas mais um exemplo disto, deste teatro antigo e previsível, preferindo apoiar um líder arguido, carregado de dúvidas e suspeitas, a correr o risco de uma mudança verdadeira que ninguém parece querer verdadeiramente.

Mas a vitória, longe de resolver seja o que for, aprofundou ainda mais o abismo. Cada dia de governo é agora um dia de espera, de tensão surda, de ansiedade que cresce lenta e invisivelmente, sabendo-se que mais tarde ou mais cedo chegará a polícia, chegarão as escutas, chegará o Ministério Público, chegará a hora da verdade, dura e implacável, a hora em que tudo desaba como um edifício corroído por anos de negligência e mentira.

Porque a verdadeira instabilidade não está no que se diz nos jornais ou nas televisões, mas nesta iminência constante e dolorosa da ruína, da vergonha pública, do colapso político absoluto. Um governo assim não governa: rasteja, disfarça, sobrevive num estado permanente de alarme, paralisado pela certeza de que o fim, inevitavelmente, chegará.

Quando a acusação formal surgir, quando as escutas se tornarem públicas, quando nomes e rostos familiares forem expostos sem misericórdia, quando as figuras do PSD começarem a ser arrastadas uma a uma para dentro deste buraco negro de suspeitas e crimes, então, sim, a implosão será inevitável, completa, sem retorno. Talvez se façam novas eleições, talvez a Madeira volte ao seu estado habitual de incerteza e espera, talvez tudo se desmorone outra vez, com o peso de anos e anos de promessas nunca cumpridas, de poder envelhecido e podre, de líderes que já não merecem sequer esse nome.

Isto não é estabilidade, não é sequer política, é apenas um prolongar cruel da decadência. A Madeira precisa desesperadamente de se libertar desta mentira pesada, precisa de líderes sem mácula, precisa de uma política que não seja só uma eterna repetição dos mesmos erros, das mesmas desilusões, das mesmas tristezas profundas.

Miguel Albuquerque pode continuar a fingir que está tudo bem, que controla tudo, que nada acontecerá. Mas não está bem, não controla nada, e a estabilidade que defende não é mais do que o outro nome da catástrofe que há de chegar, inevitavelmente, como sempre chega o momento em que tudo o que é falso se desfaz em ruína e pó.

Março 2025

Nuno Morna



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