Nélio Mendonça, uma Morte Anunciada
O Hospital Nélio Mendonça está à espera. Os corredores com macas, os monitores ainda ligados, os ecos das vozes nos tectos altos, como se as paredes tivessem memória, como se quisessem repetir o que ali se disse, o que ali se viveu. Mas ninguém as escuta. A espera prolonga-se, paciente, porque os edifícios não têm pressa, não têm urgência, não têm a necessidade de decidir. O hospital, que vai deixar de servir, que já não tem futuro, que se tornou, de repente, um obstáculo. O novo hospital cresce ao longe, reluzente, moderno, um edifício limpo de história e cheiro a doença, sem os fantasmas que o Nélio Mendonça carrega nos quartos, nos corredores, nos elevadores onde tantas vezes alguém carregou uma maca sem saber se quem ali jazia voltaria a sair pelo seu próprio pé.
Ninguém quer saber do que ali ficou. Investimentos? Modernizações? Equipamentos de última geração? Isso não interessa agora. O que interessa é que há um novo hospital e o velho tem de sair do caminho. Como se os edifícios estorvassem, como se a cidade tivesse de se limpar deles para poder continuar, como se a memória pesasse demasiado. O dinheiro gasto, os anos de funcionamento, os doentes que ali passaram, as histórias que ali se cruzaram – nada disso conta. O que conta é que o Nélio Mendonça já não encaixa na fotografia dos discursos políticos, já não serve para ser exibido nas campanhas, já não impressiona ninguém. E por isso há que apagá-lo.
Podia ser um Centro de Saúde. Bastava deixá-lo respirar, reaproveitá-lo, usar o que já lá está – as consultas externas, os equipamentos de diagnóstico, os serviços ambulatórios que tanta gente precisa. Mas o que é óbvio raramente acontece. O óbvio requer esforço, requer intenção, requer que alguém se importe. E isso, nesta terra, nunca foi moeda corrente. Mais fácil dizer que já não vale a pena, que não faz sentido, que tudo será melhor no hospital novo, mesmo que o hospital novo já nasça cheio, já nasça sem espaço, já nasça a gritar por soluções que ninguém preparou.
Podia ser um espaço para Cuidados Continuados. Para os velhos que passam a vida entre internamentos e altas, de um lado para o outro, como pacotes num armazém desarrumado. Para os doentes crónicos que não têm para onde ir. Para as famílias que não sabem o que fazer com quem já não pode voltar para casa e também não pode continuar num hospital que precisa de camas para outros. Mas os velhos não interessam, são fraco argumento político. E por isso esquecem-se, tal como se esquece o hospital, tal como se esquece tudo o que não pode ser posto num cartaz eleitoral.
Podia, no limite, ser um recurso de segurança. Porque os hospitais pegam fogo, porque os edifícios novos têm problemas, porque a Madeira não tem outro sítio para onde enviar os seus doentes se a catástrofe acontecer. Mas a catástrofe nunca é pensada antes. Só depois, quando os jornais enchem páginas com fotografias de ambulâncias e as televisões fazem directos à porta do hospital. Só depois, quando os políticos sobem às tribunas para dizer que ninguém podia prever, que foi um azar, que tudo será revisto. E o Nélio Mendonça? Aí já não existe, já se foi, já se perdeu no meio de relatórios assinados por quem nunca pôs os pés num hospital público a não ser para cortar fitas.
No meio disto tudo, aparecem os discursos, os candidatos, as promessas repetidas em cada campanha, como uma peça de teatro mal encenada que ninguém quer ver, mas que continua a ser representada. No meio do "mambo jambo" eleitoral há sempre quem acredite que os madeirenses são burros e que lhes basta atirar frases feitas para ficarem satisfeitos. Que ninguém faz perguntas. Que ninguém repara na falta de ideias concretas, na ignorância disfarçada de indignação, na conversa fiada que não diz nada. Mas os madeirenses querem saber. Querem saber o que vai acontecer ao hospital, querem saber porque se gasta dinheiro para depois deitar tudo abaixo, querem saber porque ninguém tem uma resposta simples para uma pergunta simples. O que vão fazer com o Nélio Mendonça?
E a resposta, essa, já está escrita. Não em programas eleitorais, não em discursos oficiais, mas nos escritórios onde se decidem as coisas antes mesmo de serem anunciadas. Agora retenham o seguinte: o Nélio Mendonça já tem destino traçado. Vai ser demolido. No seu lugar, não ficará nada que os madeirenses possam usar. Não ficará um centro de saúde, nem uma unidade de cuidados continuados, nem um recurso para emergências. No seu lugar nascerá mais um hotel, mais um empreendimento para os que podem pagar, mais um bloco de apartamentos que os madeirenses olharão de longe, sabendo que nunca poderão lá viver. O hospital desaparece e no seu lugar fica a promessa do progresso – não para todos, mas para os mesmos de sempre. E quando o prédio novo for inaugurado, os que hoje falam de saúde aparecerão, bem vestidos, copo na mão, a sorrir para as câmaras, a falar do "desenvolvimento". Enquanto isso, os madeirenses que precisarem de um médico? Que se desenrasquem. Como sempre.
Janeiro 2025
Nuno Morna

Muito bom!
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