No Próximo Domingo Temos Eleições¹

¹ este texto consta da crónica de hoje no DN Madeira.

Miguel Albuquerque é a ponta de um icebergue chamado PSD Madeira e o icebergue não se move, não se parte, não se dissolve. Permanece ali, maciço, invisível sob a superfície, os tentáculos estendidos pelos corredores da administração pública, pelas mesas dos cafés onde os empresários aguardam o telefonema certo, pela cara do presidente na primeira página, pelos almoços em que se distribuem favores como quem distribui fatias de bolo. E Miguel Albuquerque, esse, é só mais um, um rosto entre muitos, um nome acrescentado à longa lista dos que passaram, passam e passarão, porque o verdadeiro poder não está nele, está na máquina, na engrenagem, no oleado mecanismo que substitui peças sem nunca deixar de funcionar. 

O PSD Madeira não é um partido, não é uma organização política, não é uma ideologia. É um clima, uma humidade que se infiltra nas paredes, uma doença crónica que não mata, mas debilita, que enfraquece a resistência, que obriga a aceitar, a conformar, a baixar os olhos e a continuar. Durante décadas, ocupou tudo, enraizou-se nas estruturas, dominou o quotidiano, fez do governo uma extensão do partido e do partido uma extensão do governo, tornou-se inevitável. Um médico, um professor, um funcionário público, um pequeno empresário: todos, de uma maneira ou de outra, dependem dele. Não porque queiram, mas porque sempre foi assim, por a alternativa ser o vazio, porque viver fora do sistema é um luxo para poucos e um risco para todos. 

Os concursos públicos têm vencedores escolhidos antes de começarem. As carreiras fazem-se ou desfazem-se consoante o cartão, o aperto de mão, a jura de fidelidade. A máquina eleitoral não precisa de ideologia, basta-lhe existir. O PSD Madeira não governa, gere. Gere expectativas, gere silêncios, gere as fatias do bolo, gere a ilusão de que há democracia, de que há escolha, de que há espaço para uma mudança que nunca chega. 

E Miguel Albuquerque? Não é mais do que um gestor do regime. Foi educado por ele, moldado por ele, subiu graças a ele e, quando chegou ao topo, percebeu que não havia topo nenhum, que o verdadeiro poder não lhe pertencia, que os alicerces do icebergue eram mais fundos do que ele alguma vez imaginou. Fez então o que pôde: distribuiu benesses, garantiu lealdades, falou de renovação sem nunca a concretizar, disse que o futuro era diferente enquanto assegurava que tudo continuava na mesma. Agora, desgastado, cercado por escândalos e suspeitas, prepara-se para ser descartado. O PSD Madeira fá-lo-á sem hesitação, como sempre fez. Substituirá Albuquerque por outro e o sistema continuará, imune, adaptável, resistente.

A máquina montada é infinitamente maior do que Miguel Albuquerque, esmagadoramente maior, uma engrenagem antiga e meticulosa, oleada por décadas de favores, nomeações e dependências, uma estrutura que não precisa de um rosto específico para continuar a funcionar. Albuquerque é apenas a peça do momento, um gestor temporário de um mecanismo que se perpetua por si próprio, uma cabeça que pode ser cortada e substituída sem que o corpo sofra, porque o verdadeiro poder está entranhado na Madeira como as raízes de uma árvore velha, impossível de arrancar sem rebentar o solo inteiro. A mesma rede de interesses, a mesma inércia, os mesmos jogos de bastidores. Depois, um novo nome, um novo rosto, um novo discurso. Depois, os jornais a escreverem sobre mudança, sobre futuro, sobre renovação. Depois, a continuação de sempre. Porque o icebergue não se move, não se parte, não se dissolve. Fica ali… à espera, porque com ou sem Albuquerque a máquina é a mesma. E não vai mudar porque se lhe substitui a cabeça.

Março 2025
Nuno Morna



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