O Cavalo de Tróia de Putin na Casa Branca

Donald Trump foi, em toda a sua medíocre carreira, um vigarista, um pateta deslumbrado e um exibicionista incorrigível. A ideia de que poderia alguma vez ser um estadista sério, um defensor da América ou sequer um republicano convencional é um absurdo que só a ignorância ou a má-fé podem sustentar. Mas a questão de fundo, que persiste apesar das desculpas patéticas dos seus acólitos, é simples: Trump governa os Estados Unidos como um agente objectivo da Rússia, como um Cavalo de Tróia plantado por Putin no centro do poder ocidental. Não se trata aqui de conjecturas ou de especulações conspiratórias. Os factos são públicos, documentados e indiscutíveis. Trump foi financiado, promovido e protegido por interesses russos ao longo de décadas, beneficiou directamente da interferência de Moscovo na sua eleição e retribuiu com uma política de capitulação sistemática perante o Kremlin. Dizer que não há provas de que é um “activo” russo é o mesmo que dizer que não há provas de que a chuva molha.

Desde os anos 80, Trump mendigou dinheiro em Moscovo. Com um império imobiliário construído sobre dívidas e falências, a Rússia e os seus oligarcas, por razões óbvias, tornaram-se uma fonte conveniente de financiamento. Compraram-lhe propriedades, encheram-lhe os hotéis de clientes duvidosos, lavaram-lhe dinheiro nos seus empreendimentos. O próprio Trump Jr. admitiu sem rodeios que “os russos constituem uma fatia desproporcional dos nossos activos”. E não se trata apenas de negócios duvidosos. Durante a campanha de 2016, Trump negociou secretamente a construção da Trump Tower Moscow, tendo a distinta lata de oferecer um penthouse de 50 milhões de dólares a Vladimir Putin. Era, no fundo, a continuação de uma vida inteira de subserviência financeira. Alguém acredita que um homem nestas condições não está comprometido?

Mas os russos não ficaram apenas pelo financiamento. Perceberam que Trump era útil. Estúpido o suficiente para ser manipulado, egocêntrico o suficiente para se julgar um génio, corrupto o suficiente para aceitar favores sem fazer perguntas. Putin investiu directamente na primeira eleição de Trump, ordenando uma campanha de desinformação e ciberataques que ajudaram Trump a chegar ao poder. São as próprias agências americanas que o dizem. Mas o mais extraordinário não é a intromissão russa. O mais extraordinário é como Trump reagiu: em vez de repudiar a ajuda, incentivou-a. Chegou ao cúmulo de, em plena campanha, pedir publicamente que a Rússia encontrasse os emails desaparecidos de Clinton. E como se isso não fosse suficiente, a sua equipa reuniu-se secretamente com emissários do Kremlin para discutir “informação comprometedora” sobre a adversária democrata. Depois, claro, mentiram a toda a gente. Mentiram ao FBI, mentiram ao Congresso, mentiram ao público. Porquê? Porque tinham muito a esconder.

E esconderam. Durante quatro anos, Trump fez tudo ao seu alcance para beneficiar a Rússia. Sabotou a NATO, minou os aliados europeus, retirou tropas de zonas estratégicas para Moscovo e recusou-se a criticar Putin fosse pelo que fosse. Quando os serviços de inteligência americanos concluíram que a Rússia interferiu nas eleições, Trump não só rejeitou essas conclusões como preferiu acreditar em Putin. E fá-lo-ia de forma pública, vergonhosa e inaceitável na cimeira de Helsínquia em 2018, quando, ao lado de Putin, desmentiu os próprios espiões americanos e deu razão ao ditador russo. Nunca, em toda a história americana, um presidente dos Estados Unidos se humilhou desta forma perante um adversário estrangeiro.

Trump teve o cuidado de ocultar as suas conversas privadas com Putin. A ponto de confiscar as notas da sua própria intérprete para que nem os seus conselheiros soubessem o que foi discutido. Se alguém acha isto normal, devia pensar outra vez. Trump comporta-se como um homem com algo a esconder. Como um homem que deve favores e protecção a Moscovo. E se dúvidas houvesse, bastaria ver a sua reacção à invasão russa da Ucrânia, já fora do poder. Trump não condenou a agressão. Pelo contrário, elogiou Putin, chamou a sua estratégia de “brilhante” e “muito inteligente”. Trump nunca escondeu a sua admiração pelo Kremlin, porque sempre agiu como se fosse uma extensão dos interesses russos dentro dos EUA.

No final, os factos são estes. Trump chegou ao poder ajudado pela Rússia. Governa como um aliado objectivo da Rússia. E continua a actuar como um porta-voz de Putin no Ocidente. O que o motivou, se foi chantagem, dinheiro ou pura estupidez, pouco importa. O que importa é que os Estados Unidos têm um presidente que age como um Cavalo de Tróia de Moscovo, um Krasnov Horse descarado. Trump não é apenas um mau presidente. É uma aberração histórica. E o maior erro estratégico da América no século XXI.

Referências para ajudar a pensar:

Mueller, Robert. “Report on the Investigation into Russian Interference in the 2016 Presidential Election.” U.S. Department of Justice, vol. I e II, 2019. (Resumo em https://www.acslaw.org/projects/the-presidential-investigation-education-project/other-resources/key-findings-of-the-mueller-report/

Comité de Inteligência do Senado dos EUA. “Russian Active Measures Campaigns and Interference in the 2016 U.S. Election.” Volume 5 (final), bipartidário, agosto 2020. (Conclusões citadas em https://www.politico.com/news/2020/08/18/manafort-worked-with-russian-intel-officer-who-may-have-been-involved-in-dnc-hack-senate-panel-says-397597#:~:text=In%20particular%2C%20the%20committee%E2%80%99s%20investigation,presidential%20campaign

Reuters: “Russian elite invested nearly $100 million in Trump buildings” – Reuters (17 mar. 2017). https://www.reuters.com/investigates/special-report/usa-trump-property/

Business Insider: cronologia “Trump-Russia Business Ties” (29 nov. 2018). https://www.businessinsider.com/trump-russia-business-financial-ties-2018-11#:~:text=,talks%20fell%20through%20as%20well

Foreign Policy: “How Russian Money Helped Save Trump’s Business” – por M. Hirsh (21 dez. 2018). https://foreignpolicy.com/2018/12/21/how-russian-money-helped-save-trumps-business/#:~:text=an%20executive%20in%20the%20Trump,Eric%20Trump%20denied%20making%20the

Business Insider: confissão de Michael Cohen sobre Trump Tower Moscow até 2016. https://www.businessinsider.com/trump-russia-business-financial-ties-2018-11#:~:text=Prosecutors%20said%20Cohen%20,the%20Trump%20Organization%20about%20it

Reuters: “Trump backs Putin on election meddling at summit, stirs fierce criticism” – por Jeff Mason e Denis Pinchuk (17 jul. 2018). https://www.reuters.com/article/world/trump-backs-putin-on-election-meddling-at-summit-stirs-fierce-criticism-idUSKBN1K6011/#:~:text=,powerful%20in%20his%20denial%20today

Business Insider: “Former US intel chiefs fire back at Trump’s remarks on Russian meddling” – por Sonam Sheth (12 nov. 2017). https://www.businessinsider.com/brennan-clapper-trump-russia-trying-to-delegitimize-intelligence-community-2017-11#:~:text=Trump%20told%20reporters%20on%20Saturday%2C,interfere%20in%20the%202016%20race

Reuters: “Putin and Trump agree Syria ceasefire – Lavrov” (7 jul. 2017). https://www.reuters.com/article/world/putin-and-trump-agree-syria-ceasefire-lavrov-idUSKBN19S2M1/#:~:text=HAMBURG%2C%20Germany%20%28Reuters%29%20,Sergei%20Lavrov%20said%20on%20Friday

Vanity Fair: “Trump kept Putin meeting details secret, interpreter’s notes confiscated” – por K. Fitzpatrick (13 jan. 2019). https://www.vanityfair.com/news/2019/01/trump-putin-meeting-interpreter-notes?srsltid=AfmBOopcl6drZiex7A-sdrYFeYJB6MBK9sdN_StSMBYi67eDfinR3Yf8#:~:text=The%20Hamburg%20meeting%20is%20one,were%20allowed%20in%20the%20room

O Globo: “FBI abriu investigação para saber se Trump trabalhava para a Rússia” – por J. Barnes e A. Goldman (trad. 12 jan. 2019). https://oglobo.globo.com/mundo/fbi-abriu-investigacao-para-saber-se-trump-trabalhava-para-russia-23366193#:~:text=O%20inqu%C3%A9rito%20continha%20implica%C3%A7%C3%B5es%20explosivas,do%20Kremlin%20sem%20saber%20disso

Business Insider / The Guardian: supostos documentos do Kremlin sobre Trump (15 jul. 2021). https://www.businessinsider.com/leaked-russia-docs-described-trump-as-impulsive-mentally-unstable-2021-7 



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