Carlinhos, os Políticos e a Bagaceira Ideológica
Naquele tempo de 2005, quando o pessoal ainda usava telemóveis com antenas e a televisão dava pra rir sem se fazer contas à ideologia, apareceu o Tio Gel naquele programa da SIC Radical, que acho que se chamava "Vai Tudo Abaixo". O homem, com aquele ar de quem dorme pouco e bebe muito briol, inventou uma personagem que foi de partir o bandulho: Carlinhos, o machista gay.
Sim, senhor. O homem era tão machista, mas tão machista, que dizia com um ar muito sério: “Eu cá odeio mulheres. Por isso é que só como homens.” Assim mesmo, seco como uma broa esquecida na lapinha. E ninguém sabia se havia de rir, se de se benzer. Mas era rir, claro, porque o Carlinhos, com aquela lógica que parecia tirada de um covo de ir aos polvos, desmontava os preconceitos todos com uma frase só.
Ora, saltemos dali para cá, pra esta política nossa, feita por gente que parece saída dum bambote cheio de cabungas¹. Anda por aí uma fauna, a que nem se pode chamar gente, quanto mais políticos, que é, salvo as devidas distâncias, uma espécie de Carlinhos às avessas. São tão convictos de serem aquilo que dizem ser, que acabam por virar outra coisa qualquer. É o esquerdista que odeia o capital, mas não larga a cangalha dos subsídios. É o liberal que fala em liberdade, mas depois quer tudo controlado com leis até ao último cheiro da caixa de rapé. É o democrata que se encoleriza todo, parece mesmo encanitado², só porque alguém votou diferente.
O povo, coitado, anda encalacrado no meio disto tudo, a ver os figurões da política a falarem como se estivessem num balancé de feira, cheios de chimbança³ e a mandarem fládios⁴ uns aos outros, enquanto cá fora os preços sobem mais do que as acácias na serra. E a gente, que já não acredita nem na sombra, ouve aquilo e pensa: “Ao menos o Carlinhos fazia rir.”
Porque estes agora nem pra isso servem. São borralhos⁵ ideológicos, que só sabem é empurrar decretos, proibir coisas, fazer com que tudo pareça uma cafua⁶ cheia de regras e vigilância. E depois, claro, vão aos jornais dizer que estão a lutar pela liberdade. Liberdade, dizem, com ar de quem nunca pisou um terreiro de verdade. São uns chapeludos de gabinete, com a alma mais apertada que braguilha de bragas⁷ domingueiras em barriga de bojeço⁸.
Talvez o que nos falte seja mesmo mais Carlinhos. Gente que se ria do disparate em vez de o emoldurar. Que diga as verdades com esgares e riso, não com ar de missa de sétimo dia. Porque o riso, esse, sim, tem mais verdade do que os discursos de alguns políticos com nomes escabaçados.
E se não houver quem ria, ao menos que haja quem diga, de peito aberto e sem alfinetes: “Isto está feito uma peste, e só vai ao sítio quando se limpar esta bagaceira toda da política.” Até lá, aguentamos. Com um copinho de vinho seco, um pão de Santana e a certeza de que o bom senso ainda há-de voltar. Nem que venha montado num carro de bois puxado por uma promessa eleitoral velha.
¹velharias ²irritado ³basófia ⁴traques ⁵cinzas ⁶prisão ⁷calções de meia perna ⁸mal ajeitado
Abril 2024
Nuno Morna
😄❤️
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