Funchal: o Marketing da Insignificância.
Andam aí uns cartazes pelo Funchal a emular a velha táctica governamental de encher os olhos com milhões, para assim se disfarçar que falam de tostões. É uma estratégia com barbas que já não é usada em lado nenhum, a não ser nesta terra de cegos.
Não há, como bem sabemos, ridículo que mate entre nós. E no Funchal, ao que parece, mata ainda menos. A câmara, com pompa, circunstância e auto-convencimento, espalhou uns cartazes a dizer que a cidade “devolve 100% do IRS municipal”. A sério, é verdade que o devolve. Um cartaz berrante, cheio de setas e cores, como se estivéssemos todos na escola primária e precisássemos de incentivos visuais para perceber a bondade do gesto. “23,5 milhões!”, em 4 anos, dizem. Em letras gordas, em tons tropicais, como se estivessem a anunciar o jackpot do Euromilhões.
Vamos a contas, que é coisa que políticos raramente fazem e menos ainda querem que se faça: 23,5 milhões divididos por 104 mil almas funchalenses dá qualquer coisa como 56 euros por ano. Quatro euros e setenta por mês. Quinze cêntimos por dia. Ou seja: a generosa devolução da Câmara Municipal não paga nem o pires de azeitonas no café da esquina. A câmara do Funchal, não é um Robin dos Bosques: é uma máquina de dar trocos com um sorriso.
Isto, que em política séria seria uma nota de rodapé, transformou-se numa operação de “marketing” de feira. Um desespero com cartaz. E o mais interessante é que têm a ousadia - ou a inconsciência, ou o descaramento - de se declararem a única capital do país com tal gesto. Pois claro. Os outros, mais discretos, poupam-se à humilhação de anunciar esmolas como reformas.
Isto não é política, é teatro de marionetas. O município proclama-se moderno, descentralizado, e depois faz alarde de devolver aos cidadãos o que nunca lhes devia ter sido tirado. E nem sequer o faz com grandeza. Faz com conta-gotas. Com aquela parcimónia de mordomo que entrega o casaco ao patrão com um olhar de censura, como quem diz “vá lá, hoje deixo passar”. O contribuinte que se contente com os restos da mesa, que agradeça, que bata palmas, que vote.
E é aqui que tudo se torna francamente grotesco: a ideia de que o Estado, ou a sua versão local, nos deve ser querido por abdicar, por um breve instante, de nos esvaziar mais um bolso. Deixam-nos ficar com 15 cêntimos por dia e querem uma estátua. Querem que nos curvemos perante a generosidade da Câmara, como se estivéssemos a viver no tempo de D. João V, e os cofres municipais fossem coisa de providência divina.
É este o estado a que chegou a Autonomia. Confunde-se liberdade com licença de publicidade enganosa. Governam com o entusiasmo de quem acredita que um “slogan” substitui um plano. Um governo de outdoors e Instagram, onde a política se faz com “designers” e consultores de imagem, não com ideias. E muito menos com vergonha.
Estou à espera de ver os cartazes da Câmara do Funchal a dizer quanto cobrou em taxas e taxinhas nestes quatro anos aos munícipes. Quanto cobrou por serviços a particulares e empresas, por licenças de construção e ocupação de via pública, etc. Mas vou esperar sentado.
Num país decente, esta gente limitava-se a fazer o que deve e calava-se. Mas no Funchal, onde até os impostos voltam à terra com passaporte de herói, não há espaço para o decoro. Só para o “marketing” da insignificância.
Abril 2025
Nuno Morna

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