Gente de pouca estopa (com muita chimbança¹)

Não é cousa nova. Nunca foi. Só que agora, talvez por excesso de luz ou falta de vergonha, já nem se esconde. Essa catrefada de criaturas anda por todo o lado, mais do que gadanhos² em gamelão, convencida, empavonada, e, o mais irritante, barulhenta.

Comecemos pelos que exigem o que não dão. Que querem atenção, mas não ouvem nem a própria consciência; que reclamam gratidão e não sabem agradecer; que falam de respeito com a boca cheia de ditos, mas não têm sequer um palmo de vergonha na cara. São, no fundo, uns fanecas³, sempre à coca do que podem sacar aos outros - um bocado de tempo, um favor, um elogio, uma posiçãozinha. Falam alto como se a autoridade lhes nascesse no bandulho.

Depois há os que não aparecem e vêm com aquidade de desculpas. Que choveu. Que não, que não estavam numa patuscada. Que a sogra ficou com as almorreimas aos saltos. Que lhes bateu um vento camacheiro e ficaram com as cruzes empedernidas. Nunca é por má vontade. É sempre por azar. Gente que se acovilha⁴ atrás de desculpas como quem se emboseira em cobertores num dia de friagem. E a verdade, nua e crua, é que não querem saber, mas também não têm o feitio para o dizer com frontalidade. Falta-lhes coragem e sobra-lhes paleio.

Depois temos os que querem ter sem quererem ser. Esses são os verdadeiros bichos-de-conta da vida moderna. Enrolam-se no brilho alheio, penduram-se em cargos, enchem-se de brozilhão⁵ e salamaleques. Querem o cabedalão da fama, mas não o estrepelo⁶ do trabalho. Fazem-se de grandes, mas são como as alfaces da horta do padre: muito volume, pouca sustância. Nem sequer são capazes de levar uma ideia a bom porto sem se atrapalharem todos na primeira cambadela.

Não menos notáveis são os que se justificam sem que ninguém lhes tenha perguntado nada. É verem-se apalavrar sozinhos, a botar fala atrás de fala, a explicar a vida, os actos, as intenções, as amarguras, as saudades do tempo em que ainda tinham alguma importância, imaginada, diga-se. Justificam-se porque pressentem que falharam em tudo, mesmo na arte de parecerem bons tipos. E isso moí-lhes o espírito como a poia da cagarra mói a pedra.

Depois vêm os tiranetes do poder ralo. Os bossa dos gabinetes, os donos da chave da retrete, os chefes do nada. Bichos de galrapa⁷, cheios de importância de fancaria, que usam o pouco mando que têm como se fossem aspirante de tropa em tempo de guerra. Gente que, mal lhes dás um chapéu, fazem dele coroa. Usam a sua funçãozinha como se fosse bucha de lei para tapar a mediocridade crónica que lhes rebenta pelos olhos.

E os que são de pouco e acham-se de muito, esses são os que mais se vêem. Magros de espírito, vazios de ideias, com ares de sabichões, de comentadeiros de tasca e bispadeiros de redes sociais. Enchem-se de chiquismo, mas qualquer converseta mais funda mete-lhes medo como o diabo mete medo à beata. São os verdadeiros burzelos⁸ da vida pública: nem servem para pasto, nem para adubo.

E, por fim, os coitados. Os pobres de espírito que fizeram da miséria interior um modo de vida. Andam de cara apusegada⁹, arrastando-se pelas ruas da vida como se o mundo lhes devesse um favor por continuarem vivos. São os reis do falaço¹⁰ e do cramação, os profissionais da queixinha, da lágrima no canto do olho, da tragédia inventada. Pedem compreensão, mas nunca a praticaram. Reclamam empatia, mas não sabem o que é ter compaixão por ninguém que não seja o reflexo no espelho.

Eis o retrato. Uma sociedade cheia de fumaça¹¹ e pouca chama, onde o que mais pesa são as palavras ocas, os gestos fingidos e a certeza de que, à falta de grandeza, sobra nada. Que fazer? Aguentem-se que eu não sou pai de ninguém.

Abril 2025

Nuno Morna

¹lábia, prosápia ²dedos ³presumidos ⁴esconde ⁵dinheiro ⁶inquietação ⁷espécie de pequeno funcionalismo, gabinete ⁸burgessos ⁹entristecida ¹⁰boato ¹¹vaidade



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