O País em Pré-Campanha e a Política em Pré-Coma

A pré-campanha para as legislativas de 2025 está a ser, como era de esperar, um espectáculo deprimente. Tudo o que nela se passa já foi visto, já foi dito, já foi prometido, já foi desmentido, já foi esquecido. Não há novidade, não há surpresa, não há sequer um leve sobressalto de inteligência ou de cinismo eficaz. Há apenas uma espécie de coreografia decrépita, em que os partidos fingem que falam ao país, os candidatos fingem que representam qualquer coisa parecida com uma ideia, e o país, esse cadáver político que respira por hábito, finge que escuta. O que estamos a viver não é política: é o simulacro burocrático de uma democracia que já não acredita em si própria.

Pode dizer-se que esta é uma “pré-campanha híbrida”, o que na linguagem dos modernos quer dizer que os candidatos distribuem promessas tanto no Instagram como no mercado da Chamusca, ou no do Santo. É um híbrido sem convicção, sem substância, sem qualquer estratégia perceptível. Os partidos adaptaram-se às redes sociais como um idoso a um telemóvel novo: carregam em tudo sem saber bem para quê. Postam vídeos com música genérica enquanto cozinham porcarias, slogans redondos, promoção dos candidatos como uma espécie de influencers, imagens dos candidatos a cumprimentar feirantes e a comer pão com chouriço. O objectivo não é convencer, é preencher o espaço — o feed, o ecrã, o tempo de antena. O que sobra é a sensação de que o vazio se tornou método.

No terreno, a coisa não melhora. Os comícios tornaram-se uma cerimónia de substituição: substitui-se o povo por militantes importados em carrinhas e autocarros, substitui-se a emoção por coreografia, substitui-se a política por encenação. Há discursos, há bandeiras, há claques treinadas para aplaudir ao minuto certo. Tudo funciona, tudo está no lugar, tudo é perfeitamente inútil.

O conteúdo político, se ainda se pode usar a expressão, limita-se a meia dúzia de frases ocas, disparadas com ar sério, como se o país estivesse suspenso do que diz Ventura sobre imigração ou do que promete Pedro Nuno Santos sobre habitação. Montenegro repete “Portugal não pode parar”, com aquele entusiasmo de quem está a vender seguros porta a porta. O PS proclama que está “pronto”, o que levanta imediatamente a dúvida: pronto para quê? Ventura, esse, mantém o número habitual: um misto de mitologia nacionalista e ressentimento em directo, com a habitual convicção de televangelista. À esquerda, o costume. O Bloco repete os chavões de 2009, o PCP fala como se ainda estivéssemos na URSS, o Livre acredita que se governa com indignação moral e emojis, e a Iniciativa Liberal lá vai agitando o estandarte da “modernização” e do "acelerar".

O problema, evidentemente, não está nos candidatos, está no país. Um país que já não espera nada de ninguém, que já não exige nada a ninguém, que já nem sequer tem raiva ou esperança. Um país que olha para tudo isto com aquele ar resignado com que se vê chover no Inverno. A abstenção tende a crescer, e não é difícil perceber porquê: o eleitorado não está desligado, está desencantado. E com razão. Porque o que se oferece ao eleitorado não é escolha, é uma espécie de catálogo de má vontade, de mediocridade e de ambição míope.

Fala-se muito de estabilidade. Como se estabilidade fosse, em si, uma virtude. Como se a permanência do mesmo marasmo, da mesma inércia, da mesma insignificância fosse um sinal de saúde democrática. Estabilidade para quê? Para continuar a fingir que se governa? Para manter a máquina do Estado a carburar sem propósito? Para que os mesmos se mantenham nos mesmos lugares a dizer as mesmas coisas sem consequências?

O que esta pré-campanha revela, com uma clareza quase obscena, é que o sistema político português está esgotado. Não há rasgo, não há coragem, não há sequer vergonha. O que há é uma elite partidária a tentar sobreviver, uma comunicação social domesticada a mastigar comunicados, e um eleitorado exausto que preferia que o deixassem em paz.

E, por isso, tudo continuará como dantes. Votar-se-á, formar-se-á governo, discutir-se-á uma maioria relativa ou absoluta, com os habituais jogos florentinos. E depois voltaremos à mesma pasmaceira: um país velho, pobre, centralizado e indiferente, que fala muito de futuro, mas vive enterrado num presente sem saída.

Enfim. Boa sorte. A todos nós.

Abril 2025

Nuno Morna




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