O Poder Corrompe, a História Repete-se, Nada se Salva

Lembro-me de ler uns textos de Políbio¹ numa tarde abafada. O sol a cair devagar sobre a mesa cheia de papéis. Os olhos cansados de tantas palavras que não são de leitura fácil. As palavras a misturarem-se, a correrem umas para as outras como cães vadios numa viela escura. Monarquia. Aristocracia. Democracia. Uma linha depois outra. Políbio a dizer que tudo se desfaz. Tudo apodrece. Tudo acaba. Como se já tivesse visto isto antes. Tantas vezes. Sempre a mesma história. Um rei bom que vira tirano. Um punhado de aristocratas que começam honrados e terminam parasitas. Um povo que grita liberdade e acorda com um déspota a mandar neles. A erguer estátuas a si próprio. A obrigá-los a bater palmas.

Roma. Essa ideia de Roma. O fumo dos templos. As multidões nas ruas estreitas. Os gritos dos tribunos no Fórum. Tudo construído com cuidado. Tudo pesado e equilibrado. Os cônsules a mandarem como reis. Mas só por um tempo. O Senado a decidir como aristocratas. Mas sem poder absoluto. As assembleias a gritar como democratas. Mas dentro dos limites. Tudo organizado para durar. Para impedir que um só homem, ou um só grupo, tomasse tudo para si. Durou quanto tempo? Quanto tempo até que um general qualquer resolvesse que não precisava das velhas regras? Que o equilíbrio era uma treta? Que ele, só ele, sabia o que era certo?

Montesquieu² tentou salvar o que podia. Rabiscou páginas inteiras sobre pesos e contrapesos. O poder a vigiar o poder. Um presidente aqui. Um parlamento ali. Uns juízes no meio para dar respeitabilidade ao teatro. Os americanos pegaram na ideia. Construíram um país inteiro em cima dela. Convencidos de que tinham encontrado a fórmula mágica. Mas o que diriam agora? Se vissem a corrupção a infiltrar-se em tudo? Os partidos a tomarem conta do regime? Os tribunais a servirem quem manda? A multidão, sempre a multidão, a pedir justiça e a acabar com uma nova fraude em cima da anterior?

Políbio sabia. Sempre soube. Sabia que a política não é um ideal. É um lento apodrecer. Sabia que não há solução. Que os regimes não se salvam. Que a podridão cresce inevitável. Como uma humidade lenta nas paredes. Pode-se equilibrar. Adiar. Empurrar a tragédia para a frente. Mas ela chega sempre. Vem sempre. E quando vem, não há livro. Não há teoria. Não há governo misto que nos valha.

¹ Políbio (c. 200 a.C. – c. 118 a.C.) foi um historiador grego nascido em Megalópolis, na Arcádia, conhecido sobretudo pela sua obra Histórias, que narra a ascensão de Roma entre 264 e 146 a.C. Testemunha directa de acontecimentos marcantes, como a destruição de Cartago, Políbio destacou-se pela sua abordagem analítica, procurando causas racionais e políticas para os acontecimentos históricos. Defensor de um método historiográfico rigoroso, valorizava a observação directa, o estudo das instituições e o papel das virtudes cívicas na construção dos impérios. O seu conceito de anaciclose – o ciclo das formas de governo – influenciaria profundamente o pensamento político ocidental.

² Montesquieu (1689–1755), barão de La Brède, foi um pensador iluminista francês que deixou marca indelével na filosofia política moderna. Jurista de formação, destacou-se com a sua obra Do Espírito das Leis, onde defende a separação dos poderes como condição essencial para a liberdade e o equilíbrio político. Observador atento da natureza humana e dos costumes dos povos, via na moderação o princípio da justiça e na limitação do poder o antídoto contra o despotismo. O seu pensamento está na raiz das constituições liberais e permanece actual como crítica a todos os excessos do poder.

Agosto 2025

Nuno Morna



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