Madeira: a terra onde a inflação vai de férias.

[Enquanto os preços disparam, o Governo distribui desculpas e subsídios como se fossem bombons]

O relatório sobre o Índice de Preços no Consumidor da Direcção Regional de Estatística, é um maravilhoso exercício de anestesia colectiva, certamente escrito por alguém entediado entre dois cafés, com a mesma convicção com que se preenche um boletim de vacinas. Fala-se em 3,7% de inflação na Madeira como quem anuncia o tempo para amanhã: com a indiferença do meteorologista que sabe que a culpa é sempre das nuvens. Portugal ficou-se pelos 2,4%? Um detalhe irrelevante, evidentemente. Por cá, estamos habituados à diferença, a inflação é só mais uma expressão da nossa autonomia de fancaria, uma espécie de regionalismo inflacionista com sotaque.

E se os números não assustam, que se leia melhor. Serviços: +5,6%. Restaurantes e Hotéis: +10,2%. Habitação: +7,5%. Mas ninguém se alarma. Antes pelo contrário, na sede do Governo Regional, provavelmente abriram espumante e fizeram mais um vídeo de Albuquerque na converseta mole com um caso de sucesso, que se deve ao esforço individual e nunca ao que o governo faz. Afinal, a Madeira está “a crescer”, dizem. E cresce, de facto, para quem cobra, nunca para quem paga. Cresce a factura, não o ordenado. Cresce a renda, não o rendimento. Cresce o número de promessas, não de soluções.

Comer fora tornou-se um luxo de emigração interna. É preciso ter um contrato de trabalho no Luxemburgo para almoçar numa esplanada no Funchal sem remorsos. Os hoteleiros, ou melhor, os sobreviventes do manicómio fiscal e regulatório regional, cobram o que querem, não porque são maus, mas porque o sistema é um hospício. Regulamentos ridículos, escassez de pessoal (afinal, por que razão haveria alguém de trabalhar quando o subsídio é mais confortável?), impostos em catadupa, e uma burocracia que leva mais tempo a aprovar um alvará do que a construir o Coliseu de Roma. E depois admiram-se.

Na habitação, o espectáculo é dantesco. As rendas sobem 7,5% porque a oferta está parada, porque os planos urbanísticos da Madeira parecem ter sido escritos por seminaristas marxistas com um fetiche por papel selado, e porque o Governo regional tem da habitação a mesma visão que um padre tem da luxúria: tolera-se, mas não se promove. Fala-se em “habitação acessível” com a mesma fé com que se fala na aparição de Fátima: acredita-se, mas não se vê. E quando se propõe que se liberte o mercado, que se descomplique o licenciamento, que se deixe o proprietário respirar sem ser acusado de especulação, cai o Carmo e a Trindade, acusam-nos de querer “entregar tudo ao mercado”. Como se o mercado fosse pior do que este convento de incompetência estatal onde nada se faz sem cunha, sem carimbo, sem despacho.

E o mais espantoso, o mais cínico, o mais deliciosamente madeirense, é que a culpa nunca é do Governo. A inflação? É culpa da guerra, da Ucrânia, do petróleo, da seca, das estrelas, do zodíaco. Qualquer coisa, menos do modelo económico da Região, que é uma amálgama de estatismo jacobino com paternalismo colonial. O Governo anuncia os números com a solenidade de quem lê os resultados da lotaria, como se não tivesse nada a ver com aquilo, como se os preços subissem por obra e graça do Divino Espírito Santo. E depois lá aparece um secretário qualquer a anunciar mais um subsídio, mais uma compensação, mais uma campanha de cartazes, mais uma comissão. Porque aqui, quando o incêndio alastra, não se chama os bombeiros, distribui-se gasolina com uma nota de imprensa.

A Madeira está cada vez mais cara. Cada vez mais insuportável para quem trabalha. Cada vez mais hostil a quem investe. E isto não é um acidente. É política. É opção. É o resultado directo de anos de governação medíocre, protegida por uma cultura de silêncio, subserviência e medo. E quando o cidadão se queixa, chamam-lhe ingrato. Quando propõe mudanças, chamam-lhe radical. Quando pede contas, dizem-lhe que está a fazer o jogo dos “inimigos da autonomia”.

Autonomia, sim. Mas para inflacionar, controlar, subsidiar, censurar e silenciar. Uma autonomia de opereta, com figurinos de democracia e enredo de protectorado. E se tudo isto parecer exagero, pergunte-se ao madeirense comum o que consegue pagar com o salário que ganha. Pergunte-se a quem aluga, a quem come fora, a quem vive. E depois, talvez, se perceba que o verdadeiro índice a medir na Madeira já não é o dos preços. É o da paciência. E esse, sim, está em queda livre.

Maio 2025

Nuno Morna



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