Programa de Governo: a Madeira, o Estado e a Farsa da Autonomia

Diz-se que a Madeira vive um dos seus melhores momentos económicos. Que cresce. Que exporta turismo. Que atrai nómadas digitais e investidores de sotaque inglês. Que baixa o desemprego e sobe o PIB. O Governo Regional, com o ar vaidoso de quem se penteia antes de ir ao espelho, apresenta o seu programa como um milagre de equilíbrio: boa gestão, boas contas, boas intenções. É mentira.

E é mentira desde o princípio porque o dito “Programa” nem sequer responde às perguntas mais básicas que qualquer documento político com pretensões a sério deveria enfrentar: quem faz, quando faz, onde faz, como faz e, pior ainda, por que faz. Não há cronogramas. Não há custos. Não há responsáveis. Não há prioridades. É um fraco rol de intenções, redigido como se o Governo vivesse numa bolha onde bastasse declarar vontades para que a realidade se curvasse. Uma espécie de mística administrativa para consumo interno. Papel que vale tanto como o discurso de Ano Novo: lido, aplaudido e esquecido.

Primeiro, as finanças. O Governo gaba-se de saldos orçamentais positivos, como se fosse um contabilista da Troika em tempos de crise. Reduziu a dívida, mas não o peso do Estado. Cortou no que se vê, não no que custa. Não se mexeu nas estruturas pesadas, nas inutilidades, nos organismos sem sentido e, muitas vezes, duplicados. Não há reforma fiscal, nem desburocratização, nem simplificação. Apenas mais do mesmo: o Estado a fingir que emagrece comendo menos ao pequeno-almoço, mas mantendo o jantar de três pratos.

Depois, a economia. Não há uma ideia. Uma. Tudo são chavões: sustentabilidade, inovação, economia azul, resiliência. Palavras que não querem dizer nada, e servem apenas para esconder o essencial: a economia regional está presa a subsídios, favores, monopólios e proteções. Não há concorrência real. Não há destruição criadora. Há empresas protegidas por relações com o poder, e um mercado bloqueado por regulações que ninguém tem coragem de abolir.

E há a ginástica do PIB, esse número mágico que serve para tudo: discursos, inaugurações, debates, entrevistas. O PIB cresce, dizem eles, e com isso esperam silenciar dúvidas, críticas, realidades. Mas de que serve o PIB, por mais que cresça, salte ou dance, se esse crescimento não chega às pessoas? De que serve exibir recordes macroeconómicos se os salários continuam baixos, se os jovens fogem, se os empreendedores são esmagados em papelada e taxas? O PIB é um espelho sujo onde os governos se penteiam. Mas o povo continua por lavar.

A educação é uma paródia. Enchem-se as escolas de “tablets” e “salas do futuro”, mas os alunos continuam sem saber escrever uma carta, interpretar um texto ou fazer contas sem calculadora. Os professores são promovidos por antiguidade, não por mérito. O sistema é dirigido por burocratas que tratam os pais como menores e os alunos como estatísticas. A “inclusão” permite nivelar por baixo. A “autonomia escolar” é uma piada. A liberdade de escolha não existe. E o talento vai embora.

Na habitação, regressamos ao assistencialismo. O Estado vai construir, subsidiar, regular, distribuir. Vai resolver tudo. Mas nunca liberalizar. Nunca cortar nos impostos. Nunca abrir o mercado. Nunca reduzir os prazos absurdos de licenciamento. Porque isso tiraria poder à administração e deixaria o cidadão, Deus nos acuda, livre para construir, comprar, arrendar sem pedir licença.

E por falar em assistencialismo, é altura de chamar as coisas pelos nomes. Aquilo a que o Governo Regional chama “respostas sociais”, “acompanhamento próximo”, “estratégias de inclusão” e outras banalidades decoradas em manuais de sociologia, não passa, na prática, de uma caridade institucionalizada. Uma rede de dependência permanente, onde se trocam subsídios por silêncio político e apoios por gratidão eleitoral. Não se liberta ninguém, mantêm-se todos presos, domesticados, agradecidos. O Estado funciona como um grande dispensador de esmolas com gabinete. É o velho clientelismo, agora com logótipos e tecnologia.

Na saúde, a receita é antiga e os sintomas crónicos. O Governo promete “melhorar os cuidados”, “motivar profissionais” e “reduzir listas de espera”, como se repetir o diagnóstico curasse a doença. Anuncia novas infraestruturas, mais investimento, mais verbas. Mas mantém tudo como está: o sistema público é ineficiente, os profissionais fogem ou desanimam, e o cidadão espera, sempre a espera. O sector privado é tratado como ameaça, a concorrência é vista com desconfiança, e o doente continua a ser um número numa fila que nunca mais anda. Modernizam o edifício. O serviço, esse, continua no século passado.

Na juventude, o paternalismo assume contornos quase cínicos. O jovem madeirense é tratado como uma espécie de animal protegido, alvo de programas, eventos e plataformas de participação, tudo cuidadosamente mediado pelo Estado. Fala-se de “empoderamento” enquanto se o prende com regras laborais obsoletas, burocracias kafkianas e salários de estagiário. Querem que os jovens fiquem, mas oferecem-lhes migalhas e propaganda. Não lhes dão liberdade. Não lhes dão propriedade. Dão-lhes festivais. E depois admiram-se que partam.

Mas é na Autonomia que a farsa se torna tragicómica. O Governo Regional exige mais poder, mais dinheiro, mais liberdade. E na página seguinte, pede à República que continue a pagar os “sobrecustos”. Quer um sistema fiscal próprio, mas com financiamento garantido por Lisboa. Quer ser diferente, mas igual no subsídio. Grita independência, mas vive de mesada. Não quer autonomia: quer isenção de responsabilidade.

A Autonomia, a verdadeira, só existirá quando o Governo Regional tiver a coragem de dizer: “Vamos viver com os nossos meios. Vamos cortar no que não serve. Vamos dar liberdade às pessoas. E vamos ser julgados por isso.” Mas isso nunca acontecerá. Porque não é disso que vivem os partidos. Nem os governos. Nem os interesses.

A Madeira não é autónoma. É uma dependência de luxo, com discursos de resistência e práticas de servilismo. O seu Governo é um pequeno Estado-providência em miniatura, que se apresenta como baluarte da liberdade, enquanto trata os cidadãos como súbditos a alimentar.

O pior? É que o povo acredita. Ainda acredita. Por mais quanto tempo, isso, nem o Governo sabe.

Maio 2025

Nuno Morna



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