Madeira “bate” o Estado… mas continua a correr atrás da dívida.
[Quando refinanciar dívidas antigas com juros novos é vendido como milagre económico]
A ideia de que a Madeira conseguiu “bater” o Estado nos juros, repita-se com o ar grave que os idiotas usam nestas alturas: bater o Estado nos juros, é, se não fosse triste, quase cómica. A política regional vive agora deste género de ficções orçamentais, inventadas para entreter a populaça e dar um sentido de grandeza ao que não passa de remendo, de operação banal, de gestão desesperada de um problema estrutural que ninguém quer enfrentar. A notícia, por si só, diz muito mais sobre o estado da política regional do que sobre qualquer suposta virtude da governação madeirense. A Madeira, como se sabe, vive pendurada nos subsídios da República e nos apoios europeus, afogada numa dívida que não controla e governada por um regime que há muito se especializou em transformar a necessidade em propaganda e a insolvência em feito de génio.
Vamos aos factos, esses chatos que atrapalham a retórica. A operação em causa é um empréstimo bancário contratualizado com meia dúzia de instituições financeiras, obtido com uma taxa de juro de 3,19%. E dizem, sem rir, que é inferior à taxa da dívida do Estado. Como se as duas fossem comparáveis. Como se a República emitisse dívida ao balcão da Caixa Geral de Depósitos. Como se a Madeira, com a sua dívida impagável, a sua economia subsidiada e a sua autonomia de opereta, fosse uma entidade soberana com acesso aos mercados internacionais. Não é. Nem nunca foi. Nem nunca será.
O Estado emite dívida a 10, 15, 30 anos, em mercados abertos, com regras, com risco soberano e com liquidez. A Madeira faz o que pode: pede dinheiro a bancos com os quais já trabalha há anos, sob regras definidas pelo Ministério das Finanças e com garantias tácitas ou explícitas da República. A taxa é mais baixa? Depende do prazo. Depende das condições. Depende do risco assumido, e o risco, não nos iludamos, não é da Madeira, é de Portugal. Porque se a Madeira falhar, quem responde é o contribuinte português. E toda a gente sabe isso, até os bancos que emprestam.
Mas o mais extraordinário nem é essa fraude técnica, é a celebração. Transformar um acto banal de gestão de dívida em “marco histórico”, como diz o secretário regional, é puro delírio institucional. O que se passou foi isto: a Madeira contraiu dívida nova para pagar dívida antiga. E fá-lo com juros relativamente altos, porque está numa situação de fragilidade orçamental crónica. Não é desenvolvimento, não é investimento, não é autonomia. É um penso rápido. É uma espécie de morfina financeira para prolongar a agonia.
E, no entanto, os jornais alinham. Os jornalistas, ignorantes ou cúmplices, publicam o disparate como se fosse uma conquista. A fotografia do secretário de Estado, perdão, das Finanças Regionais, que é título que só engana quem quer, aparece no canto da página com um ar de estadista, como se tivesse acabado de assinar a paz no Médio Oriente. “Confiança dos mercados”, diz ele. Os mercados, coitados, nem sabem onde fica a Madeira. O que sabem é que o empréstimo tem a bênção tácita do Governo da República e que não há risco real. Financiamento regional? Não. É crédito assistido com marketing político.
O que este episódio revela, no fundo, é o estado miserável da política regional. Uma política feita de encenações, de números empolados, de frases vazias, de fingimentos. Não há estratégia. Não há reforma. Não há coragem. Há, isso sim, uma classe política que vive do expediente e uma opinião pública adormecida, que se contenta com manchetes ocas e palavras caras. E há uma Região que se afunda cada vez mais em dívida, em dependência e em irrelevância.
Se isto é bater o Estado, então estamos todos derrotados.
Junho 2025
Nuno Morna
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