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A mostrar mensagens de março, 2025

Estabilidade? Alguém conhece maior estabilidade do que a que existe numa ditadura?

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 [in crónica Rede Social, DN Madeira] Na Madeira não se governa, persiste-se. E o que persiste na Madeira não é o governo, é o ritual, uma opereta com cenários de cartão, actores de voz monocórdica e público a bocejar discretamente atrás das máscaras. Dizem-me estabilidade e eu vejo uma senhora idosa, numa enfermaria, a apagar lentamente, os olhos voltados para o tecto, o soro a pingar-lhe gota a gota a inutilidade dos dias. Estabilidade. O que é isso senão o prolongamento meticuloso da agonia? Que ideia é esta que nos venderam de que o não-movimento é virtude, de que a repetição é segurança, de que o que não muda é, por isso mesmo, bom? Na Madeira, onde os presidentes regionais se sucedem como árvores da mesma raiz, as folhas caem, os troncos mantêm-se, as raízes aprofundam-se, apodrecendo lentamente a terra, a estabilidade não é mais do que o nome novo da paralisia. Não há verdadeira política, há continuação. Os mesmos nomes, os mesmos tiques, os mesmos encontros onde se combinam...

Mestre Gil: Sempre a Mesma Barca

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[breve recensão a "Os Autos das Barcas", de Gil Vicente] No princípio há o rio, largo e preguiçoso, a fingir que tudo passa, a fingir que tudo muda, a fingir que lava as nódoas do tempo, mas não lava nada, nem os escombros das promessas antigas, nem os retratos desbotados dos que governaram e dos que hão de governar, nem os restos de discursos que apodrecem no fundo, como lodo, nem as palavras que nunca significaram coisa nenhuma. O rio leva a barca, a barca leva os homens, e os homens levam os pecados que já não são pecados, só hábitos, só maneiras de estar, só pequenas manhas herdadas de pais para filhos, de patrões para empregados, de ministros para assessores, de reis para presidentes. No cais, o povo vê. O povo vê sempre, vê há séculos, vê e comenta, vê e ri-se, vê e cala, vê e finge que não vê. Já conhece o enredo, já sabe quem embarca, já sabe quem fica, já sabe que tudo se repete e que o Diabo, no fim, há-de dizer que não tem lugar para tantos. O Diabo cansa-se. O pov...

Crónica de uma Vitória Anunciada num Lugar sem Memória.

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Gustave Le Bon escreveu um livro há mais de um século, um livro pequeno e frio e exacto como um bisturi de hospital militar. Esse livro chama-se “Psicologia das Massas”. Não é um livro para se ler por distracção, ou porque se gosta de política, ou porque se acha que vai mudar alguma coisa depois de o ler. É um livro para quem já percebeu não haver salvação. Para quem se senta à noite no escuro a ouvir os ruídos da madeira a estalar e sabe que não é o vento. Que somos nós. A estalar. Na Madeira, mais uma vez, houve eleições. E mais uma vez ganhou o mesmo. O mesmo homem. A mesma voz. A mesma maquinaria velha que já nem faz barulho porque está demasiado oleada com o hábito, com o medo, com o cheiro da terra húmida depois da chuva e da desesperança que se entranha como bolor nos tectos das casas que nos ensinaram a amar como se não houvesse mais mundo para além da ilha. A massa, dizia Le Bon, não pensa. A massa obedece. A massa vota como quem reza. Como quem pede desculpa. Como quem agrade...

A Ilha Onde a Política Usa Cachecol.

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Na Madeira, a política não é política, é uma coisa mole, húmida, que cheira a mofo, é um ritual supersticioso herdado como os nomes repetidos nas famílias ou a missa das sete aos domingos, e os partidos não são partidos, são clubes, são feiras, são grupos folclóricos onde se dança com a mesma cara durante anos e anos, anos e anos de beijos nas testas dos eleitores, de mãos suadas apertadas nos arraiais, de promessas repetidas com voz melosa, sempre a mesma cassete, sempre a mesma palmadinha nas costas, sempre o mesmo “conte connosco”. E os eleitores, pobres diabos, respondem “sim senhor doutor, sim senhor engenheiro, Deus lhe pague”, como se o voto fosse uma esmola, como se a cruz no boletim fosse um favor que se pede, um perdão que se compra, um medo que se carrega. Os partidos são equipas de futebol, com cachecóis e tudo, e os líderes, esses homens tristes com rugas falsas de preocupação, esses homens pequenos com sapatos engraxados demais, são tratados como o Ronaldo depois de um go...

Miguel Albuquerque, o nome verdadeiro da instabilidade.

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Miguel Albuquerque, esta figura que se arrasta, já quase sem rosto, meio apagado pelo uso contínuo, pelo cansaço da sua própria sombra que o persegue, tornou-se, sem que ninguém o tenha verdadeiramente desejado, o epicentro doloroso da instabilidade na Madeira. Não uma instabilidade que se veja claramente, que se exponha à luz crua do meio-dia, mas uma instabilidade subterrânea, inquietante, feita de dúvidas e silêncios, feita de meias verdades sussurradas nas ruas estreitas do Funchal, feita de insinuações que escorrem lentamente, como humidade pelas paredes velhas das casas. Venceu as eleições, sim, mas que vitória foi esta, vitória que tem o gosto amargo da derrota inevitável, vitória que tem a fragilidade do vidro fino prestes a estilhaçar-se ao mínimo sopro judicial? Porque Miguel Albuquerque é arguido, acusado de corrupção, participação económica em negócios escuros como poços profundos, prevaricação, palavras que os jornais repetem, gastam até ao vazio, palavras que os polític...

Venceu a Peçonha

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[in DN Madeira de hoje] Venceu o Miguel, claro que venceu, com aquele sorriso de retrato de primeira comunhão e os olhos pequenos   rasgados  de quem aprendeu desde cedo que a sobrevivência é uma arte como outra qualquer, como a jardinagem  de rosas  ou o contrabando de esperanças, venceu o Miguel e eu vi-o na televisão com a gravata torta e os punhos da camisa a escaparem do casaco, a mão direita a  tocar  o microfone como quem segura um ramo de flores de plástico, venceu o Miguel e ninguém pareceu surpreendido, nem ele, que já não vence, simplesmente continua. A Madeira votou, dizem, como se a Madeira fosse uma senhora respeitável de cabelo armado, colar de pérolas falsas e um neto na Suíça, votou, votou-se, votaram-se todos uns aos outros e no fim ganharam os mesmos, que são sempre os mesmos, mesmo quando mudam de nome ou de perfume ou de lugar na fotografia. Votaram como quem vai ao médico só para renovar a receita, como quem diz “ doutor, é só para mai...

Vou votar. Mas não em qualquer canalha.

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Vou, vou votar, embora saiba que nada muda verdadeiramente e que por trás dos sorrisos de campanha há sempre um gabinete onde pouco se produz, um carro com motorista, uma conta num banco que não tem balcões nem senha de espera, vou votar porque ainda me resta esse gesto, essa pequena violência que me pertence, como me pertencem os ossos, os livros antigos e a fotografia da minha mãe com os olhos semicerrados pelo sol. Não voto por patriotismo, nem por esperança, nem por essa coisa abstracta e desenxabida que se chama dever. Voto porque me custa demais ver a minha mão vazia. Porque é um dos últimos lugares onde ainda posso ser dono de mim. E porque é meu, o voto, não o entregarei a qualquer um. Não o darei a cretinos, não darei o meu voto a crápulas, não o darei aos que usam gravata com a confiança dos imbecis nem aos que falam de “pessoas” como quem fala de números. Respeito demasiado o meu voto para o gastar em gente pequena. E cada vez que entro na cabine, há um silêncio que me lembr...

Vão votar. Por amor de Deus, vão votar.

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Amanhã há eleições. E vocês, que estão cansados, que passam os dias a dizer que isto não muda, que isto está podre, que os políticos são todos iguais, que são todos uns bandidos com gravata, vocês, provavelmente, não vão votar. Ficarão sentados no sofá, os olhos inchados de tédio, os pés sobre a mesinha baixa, a televisão a mastigar-vos devagarinho com vozes de plástico e cores de supermercado. Não é que votar vá salvar-vos. Não é que, depois do voto, o mundo se transforme, subitamente, num lugar decente, onde não serão enganados todos os dias por senhores com discursos treinados. Mas há um certo gesto. Um gesto pequeno, quase ridículo, de quem diz " ainda cá estou" . De quem recusa desaparecer, de quem insiste em existir. Um traço negro num papel sujo, numa sala de uma escola com cheiro a lixívia, e é isso, meus amigos, é isso que vos impede de ser mobília. Um povo que não vota é um povo que já desistiu. Um povo que se entrega aos outros como quem se deita ao lado de um corp...

Regionais Madeira, mas que merda de campanha

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Esta campanha foi uma doença longa, uma maleita pegajosa, um ranho eleitoral que se arrastou pelos dias como um resfriado mal curado, uma constipação da democracia, daquelas que começam com um espirro tímido e acabam em febre, mas nunca numa febre digna, alta, de hospital e urgências e médicos a correr pelos corredores a gritar palavras difíceis que não se entendem. Nunca numa febre de fazer delirar e ver Jesus Cristo à cabeceira da cama, mas numa febre manhosa, baça, um incómodo persistente que não chega a matar nem a curar, apenas fica ali, exausto e aborrecido, à espera que o tempo passe. Falou-se de Autonomia, claro, porque é sempre preciso dizer a palavra “Autonomia” umas quantas vezes para que os jornais anotem e os eleitores, embriagados de cansaço, murmurem em uníssono “Sim, sim, Autonomia”, como se fosse um padre-nosso repetido em penitência, um mantra político para justificar o que já não se justifica, para fingir que não somos o que somos: um arquipélago distante e domado, u...

Conservadores-Liberais, um mito conveniente

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A confusão entre conservadorismo e liberalismo, esse equívoco repetido como um refrão desafinado ao longo das décadas, é uma daquelas ideias que não morrem porque ninguém tem paciência para as enterrar. Fizeram dela um mantra, um bordado político onde se alinhavam as palavras certas, um truque de feira para distrair os incautos. Mas a verdade, essa maldita, continua lá, inamovível: conservadorismo e liberalismo não se misturam, como azeite e água, como manhãs frias e cafés vazios, como a infância e a notícia da primeira morte. O "conservador-liberal" não passa de uma invenção linguística para justificar contradições, um animal político de duas cabeças que nunca olha para o mesmo lado. E, no fim, nem conserva nem liberta: apenas paira, hesitante, entre um passado que não entende e um futuro que lhe dá medo. Hayek explicou isto com a precisão de um cirurgião que disseca um órgão moribundo, com a paciência de quem já viu demasiadas tragédias para se incomodar com esta. O conserv...

A Estupidez Triunfal da Retaliação

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A primeira coisa que me ocorre é a imagem de um velho alfaiate em Lisboa, mãos manchadas de giz, a apertar os últimos pontos de um fato que ninguém irá buscar. Ou talvez um barco a remos na baía do Funchal, boiando ao sabor da corrente sem saber para que lado ir, inútil e sem leme, como a Europa nestas crises comerciais, perdida num mar de discursos e resoluções burocráticas que não levam a nada. A ideia de responder às tarifas de Trump com tarifas sobre produtos americanos é tão vazia, tão errada, tão profundamente europeia na sua ilusão de justiça, que até cansa. O problema, claro, não é só Trump, nem sequer as tarifas, nem sequer o comércio, que é coisa de quem acredita que o mundo pode ser organizado em tabelas e estatísticas e curvas que sobem e descem como o ritmo de uma respiração ofegante. O problema é a ilusão, a mesma ilusão que enche corredores de gabinetes em Bruxelas, onde senhores pálidos de fato azul falam de “soberania económica” e “resiliência estratégica” sem nunca te...

PS: Boa Porcaria de Programa

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O programa do PS-Madeira, esse calhamaço de promessas escritas por assessores que nunca entenderam nada na vida. É como aqueles livros de autoajuda que garantem que basta acreditar para que tudo melhore. Um optimismo risonho, palavras bem escolhidas, um compromisso qualquer com o futuro, a promessa vaga de um amanhã melhor. Como se a Madeira fosse um doente convalescente a quem dão uma manta e uma chávena de chá, quando o que precisa é que o larguem da mão e o deixem trabalhar. O PS-Madeira, claro, não acredita em trabalho. Acredita no Estado. O Estado que dá, o Estado que protege, o Estado que resolve tudo para que ninguém tenha de pensar muito, como um pai indulgente que não tem coragem de dizer ao filho que a vida não é justa e que os sonhos não pagam a conta da mercearia. Lemos o programa e vemos logo o problema. Querem um Estado maior, mais interventivo, que se meta em tudo, que decida quem pode construir casas, quem pode abrir negócios, quem pode estudar, quem pode respirar. Quer...