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A mostrar mensagens de abril, 2025

Kit de sobrevivência para a política madeirense

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Dei por mim a pensar, enquanto olho o mar encarquilhado de cinza ao fundo da varanda, que sobreviver na política madeirense, é uma coisa suja, triste, antiga como as nódoas que deixei sobre a camisa, uma coisa para homens de couraça fria, para quem aprendeu cedo que as virtudes são uma espécie de fé-de-ofício para enganar os tolos, e os que não são tolos acabam por se enganar a si próprios, porque querem, porque precisam, porque a ilusão é mais confortável do que o pânico. Quem ousa meter o pé nesse charco que fede a promessas podres precisa, antes de mais, de um kit, como quem vai à guerra, como quem se mete numa pescaria sabendo que vai regressar sem peixe e com o barco furado. Um capacete anti-rataria, primeiro, apertado ao crânio como os capacetes dos mineiros. E não é para menos, porque na Madeira cava-se debaixo dos outros como se o respeito fosse uma doença vergonhosa, um hábito de fracos, cava-se sob a pele, cava-se sob os discursos de afecto, cava-se sob o sorriso de verniz, e...

Entre a Falta de Luz e a Falta de Vergonha

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A Madeira, esta terra cansada, esbaforida de tanto se ouvir a si própria, escorregava pela encumeada da vaidade, enquanto Miguel Albuquerque, feito canastro de palavras sem sustança, espichava do beiço que se o apagão do continente tivesse rebentado cá, na nossa terra, seria “imediatamente detectável”. Disse-o com aquele ar de cagarola convencido, como quem sopra um balão furado e acha que é foguete, naquele falanço balofo de sempre, misturando gabança com ignorância, como quem mistura vinho avinagrado no bom e ainda se gaba do sabor. Primeiro disparate: o tamanho da Madeira, coitada. Porque é “um ecossistema mais pequeno”, dizia ele, a modos de vendeiro a vender peixe estragado como se fosse fresco, seria mais fácil detectar uma falha. Mal sabe, ou pior ainda, sabendo, finge não saber, que pequeno, na Madeira, é sinónimo de fágil, como essas figueiras de escarpa que um ventinho logo bota ao chão. Um abicadouro¹ de sistema, onde uma falha numa turbina manda logo toda a gente a lamber l...

O silêncio que poderia ser Papa

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[in Rede Social, 28 de Abril 2025, DN Madeira] Há uma leveza qualquer nele, como se andasse sempre um pouco acima do chão, não por ser santo, mas por ser, talvez, um desses homens que aprenderam a não fazer barulho ao entrar nas almas dos outros, como quem tira os sapatos à porta antes de pedir licença para ficar. D. José Tolentino, escrevo-o assim com o D. e tudo porque é cardeal, mas também podia ser poeta de mesa de café, como foi Pessoa, daqueles que se sentam com um caderno ao colo à espera que Deus passe disfarçado de lenço na cabeça ou de criança a chupar um pau de gelado. E não é coisa de bairrismo, não senhor, não é por ter nascido na Madeira ou por dizer-nos qualquer coisa de dentro da ilha como quem sussurra a um búzio encostado ao ouvido. Não é isso. É porque há nele uma inteligência que não morde, uma erudição sem prepotência, uma cultura feita de silêncio mais do que de livros, como se tivesse lido tudo, mas guardado apenas aquilo que podia dizer-se com delicadeza. E essa...

25, Sempre e Sobretudo

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No escuro quieto da babuge¹, onde o tempo escorre como a água que pinga das biqueiras de zinco das casas velhas da freguesia, uma coisa a latejar, primeiro fraquinha, como quem tem vergonha de nascer, começou a mexer-se por entre os lençóis rotos da terra. Era, talvez, a democracia. Ou o boato dela. Uma dessas palavras que se dizem com medo de serem escutadas. Como os ditos que se murmuram à boquinha da noite, à hora em que pássaros se calam. Não foi cabrestada². Nem revolução. Foi coisa diferente. Mais abafada. Mais mole. Como se fosse um filho enjeitado nascido de madrugada num quarto de almanjarras³, com o telhado a pingar e um rádio velho a chiar canções da Emissora Nacional. Um sussurro. Um espirro. Um cansaço que alguém confundiu com grito. Em terra de navegadores, como se todos tivéssemos embarcado no mesmo barco quando a maioria andava por conta do senhorio a remendar buracos nos poios, navegámos, sim. Por entre a maré feita de promessas e recados. Como se a liberdade se apanha...

O Poder Corrompe, a História Repete-se, Nada se Salva

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Lembro-me de ler uns textos de Políbio¹ numa tarde abafada. O sol a cair devagar sobre a mesa cheia de papéis. Os olhos cansados de tantas palavras que não são de leitura fácil. As palavras a misturarem-se, a correrem umas para as outras como cães vadios numa viela escura. Monarquia. Aristocracia. Democracia. Uma linha depois outra. Políbio a dizer que tudo se desfaz. Tudo apodrece. Tudo acaba. Como se já tivesse visto isto antes. Tantas vezes. Sempre a mesma história. Um rei bom que vira tirano. Um punhado de aristocratas que começam honrados e terminam parasitas. Um povo que grita liberdade e acorda com um déspota a mandar neles. A erguer estátuas a si próprio. A obrigá-los a bater palmas. Roma. Essa ideia de Roma. O fumo dos templos. As multidões nas ruas estreitas. Os gritos dos tribunos no Fórum. Tudo construído com cuidado. Tudo pesado e equilibrado. Os cônsules a mandarem como reis. Mas só por um tempo. O Senado a decidir como aristocratas. Mas sem poder absoluto. As assembleia...

A Mania das Opiniões e o Despautério do Juízo

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O rapaz, um bisneto de um vizinho já entradote, que agora se meteu a influencer (creio que é assim que se diz), apareceu-me no quintal, junto ao rego onde planto umas cebolas e umas bercas¹ quando me apetece fingir que ainda sou útil, apareceu-me a dizer com aquele ar de quem acabou de descobrir a pólvora ou de apanhar um peixe-galo na abra² dos Reis Magos que "todas as opiniões são válidas", e eu, que já estou meio apusegado³ com estas modernices, limitei-me a abanar a cabeça como quem vê uma catraia a correr na estrada com um balão cheio de bagaceira a pensar que é um brinquedo. O problema é esse: hoje tudo é brinquedo. Tudo é a brincar. Gente que não sabe distinguir um chibarro de uma coitada quer opinar sobre virologia, economia, o clima, o Pacto Orçamental, a alma humana, o melhor método de podar parreiras e, vá-se lá saber porquê, ninguém lhes diz nada, talvez com medo de parecer fona⁴ ou de levar uma chorrica de algum animado⁵ com mais seguidores do que juízo. Dizem qu...

Açodados pela Miséria, Ajoujados pelo Sistema

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in REDE SOCIAL, DN Madeira 21 abril 2025 [Açodado: enraivecido;  Ajoujado: curvado sob grande peso] Uma leitura dos documentos do “Estudo de Caracterização da Pobreza na Região Autónoma da Madeira”. A miséria na Madeira, e pra quê tapá-la, é um sarro peganhento, um trapo entranhado, com bafo a sopa de trigo aguada e remédio fora da validade, que se cola à pele como a comia¹ roçada nas costuras de quem já viveu muito e mal. Fala-se pouco dela, como se fosse falta de vergonha, como se a pobreza fosse zaralho ou desmazelo, e não esta cousa antiga e viscosa que se herda como a dívida dum enterro, uma dor nas cruzes, ou uma zimpla² mal sarada. A Madeira dos postais - das achadas, das ponchas e do vinho seco - é, por dentro, uma ilha lavrada a cicatrizes, uma velhança inchada, com vaquetas³ perras, os joelhos a gemer e um goguento⁴ crónico que nem xarope resolve. A pobreza cá não berra, não zanga, não faz zarabulho⁵. É mansa, como bicho apalpado que sabe que é escusado espernear. Senta-s...

Carlinhos, os Políticos e a Bagaceira Ideológica

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Naquele tempo de 2005, quando o pessoal ainda usava telemóveis com antenas e a televisão dava pra rir sem se fazer contas à ideologia, apareceu o Tio Gel naquele programa da SIC Radical, que acho que se chamava "Vai Tudo Abaixo". O homem, com aquele ar de quem dorme pouco e bebe muito briol, inventou uma personagem que foi de partir o bandulho: Carlinhos, o machista gay. Sim, senhor. O homem era tão machista, mas tão machista, que dizia com um ar muito sério: “Eu cá odeio mulheres. Por isso é que só como homens.” Assim mesmo, seco como uma broa esquecida na lapinha. E ninguém sabia se havia de rir, se de se benzer. Mas era rir, claro, porque o Carlinhos, com aquela lógica que parecia tirada de um covo de ir aos polvos, desmontava os preconceitos todos com uma frase só. Ora, saltemos dali para cá, pra esta política nossa, feita por gente que parece saída dum bambote cheio de cabungas ¹ . Anda por aí uma fauna, a que nem se pode chamar gente, quanto mais políticos, que é, salvo...

Gente de pouca estopa (com muita chimbança¹)

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Não é cousa nova. Nunca foi. Só que agora, talvez por excesso de luz ou falta de vergonha, já nem se esconde. Essa catrefada de criaturas anda por todo o lado, mais do que gadanhos² em gamelão, convencida, empavonada, e, o mais irritante, barulhenta. Comecemos pelos que exigem o que não dão. Que querem atenção, mas não ouvem nem a própria consciência; que reclamam gratidão e não sabem agradecer; que falam de respeito com a boca cheia de ditos, mas não têm sequer um palmo de vergonha na cara. São, no fundo, uns fanecas³, sempre à coca do que podem sacar aos outros - um bocado de tempo, um favor, um elogio, uma posiçãozinha. Falam alto como se a autoridade lhes nascesse no bandulho. Depois há os que não aparecem e vêm com aquidade de desculpas. Que choveu. Que não, que não estavam numa patuscada. Que a sogra ficou com as almorreimas aos saltos. Que lhes bateu um vento camacheiro e ficaram com as cruzes empedernidas. Nunca é por má vontade. É sempre por azar. Gente que se acovilha⁴ atrás ...

Silêncio Frio: O Funeral Turístico do Ribeiro

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Tavam três polícias de pé, parados, que nem três bonecos de cera acabados de sair da caixa do armazém da farda, com as botas ainda por enlamear, a cheirar a borracha nova e a desinfectante do barato, daquele que se usa pra limpar as cafuas e os cagatórios nos sítios onde já ninguém vai. Postos ali que nem bibelôs em cima da cómoda da sala da madrinha, com o mesmo cuidado de quem pousa um boneco de louça numa prateleira da lareira. Três polícias, sim, e um cheiro a truta frita que não vinha de lado nenhum, talvez da lembrança, talvez da teoria, talvez do tempo em que ainda se podia travar ali o carro num rebentão da estrada, por debaixo das árvores da Laurissilva, quando os cerrados ainda não tinham sido esburacados pelo progresso e os autocarros, grandes como cangalhas de ferro com turistas dentro, vomitavam bifes e camones e velhas de sandália ortopédica, verdadeiros pés de gesso de casaco fluorescente, gente que vinha ali pra respirar, diziam eles, como se respirar na Madeira não fos...

A Alma da Casa Caída (com palavras nossas)

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O Solar do Engenho, que em tempos também se chamava Solar das Meninas Leais, nome de promessa e de juramento antigo, nome de honra da terra, foi-se abaixo como se fosse uma cabra velha e sem préstimo. Foi-se como se fosse apenas mais um camalhão, mais uma bossa no caminho daquilo a que chamam progresso, e que por cá é quase sempre sinónimo de descasca, de encangalhanço, de destruição feita com cara séria e mãos no bolso. E ninguém, absolutamente ninguém, se enxovalhou com isso. Passaram por cima da memória como quem passa por cima do canastro cheio de lenha, tropeçando mas fingindo que não caiu. E a casa, aquela casa feita de cantaria rija, de janelas com alma, de árvores com sombra de bisavó, caiu. Caiu como caem os velhos a quem já ninguém quer dar sopa. Caiu sem chorar, mas com um estrondo mudo que ficou na cabeça dos que ainda sabem o que é uma casa com alma. Dizem agora, e dizem com ar de quem conta bezerros para distrair, que a arriba era perigosa, que podia haver uma derrocada. ...

Os madeirenses inda não estão escarmentados.

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[in REDE SOCIAL, DN Madeira de 14 de abril de 2024 (e eu digo-o com a boca murcha de quem mastiga silêncio há anos, com o bico entalado na sopa morna da resignação) Em bom madeirense, vos escrevo para dizer que os madeirenses inda não estão escarmentados, não senhor, e vê-se isso na maneira como continuam a abarbatar promessas como quem colhe vaginha debaixo de chuva, sabendo que estão verdes, sabendo que vão dar agastura ao estômago e mesmo assim comendo, comendo, porque têm fome, não de pão, mas de esperança, uma esperança azamboada, magra, com ares de chimbança, feita de ditos de comadres e promessas de alpendres. Vão às urnas como quem vai à festa do Espírito Santo: não por fé, mas por costume. E lá entregam o voto, como se fosse uma broa velha, à espera que venha um brozilhão qualquer, um convite, um aperto de mão do chefe de freguesia, um posto de trabalho para o bizalho que acabou o curso e anda com o bandulho a arder de desespero. Os madeirenses inda não estão escarmentados por...

Há os debates e há os comentários aos debates

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[e uma coisa não tem nada a ver com a outra] Ouvir os comentários dos pseudo-analistas que se empoleiram nas cadeiras giratórias das televisões como galos tísicos de um galinheiro apagado é um fadário, um suplício monótono que se arrasta pelas noites como os programas antigos da Rádio Argel que o meu pai dizia ouvir com o botão de volume quase fechado, não fosse alguém perceber, não fosse a vizinha, a do cão com reumático, a do marido funcionário público, denunciar ao administrador do prédio que lá em casa se escutavam comunistas com sotaque soviético. É um fadário, dizia, e é um tédio viscoso, morno, que se cola ao ecrã a como a humidade se cola às paredes da casa velha e que nos penetra os ossos com aquela certeza desesperançada de que nada vai mudar, de que nada, nunca, mudará. Muitas vezes, talvez demasiadas vezes, quem comenta gostava era de estar do outro lado, de ter o microfone apontado não como inquisidor, mas como candidato, com cartaz, com slogan, com beijinhos a bebés empre...