Mensagens

A mostrar mensagens de fevereiro, 2025

Acorda Europa

Imagem
A relação entre a União Europeia e o Canadá é uma daquelas evidências que ninguém discute porque, simplesmente, ninguém se lembra dela. A Europa, ocupada com a sua crise existencial permanente, e o Canadá, perdido na sombra americana, nunca fizeram desta parceria aquilo que ela poderia ser: uma verdadeira aliança estratégica, útil e eficaz. Mas, num mundo onde a ordem liberal se desmorona à vista de todos, onde a Rússia e a China desafiam abertamente os valores ocidentais e onde os próprios Estados Unidos oscilam entre o protecionismo e a imprevisibilidade, a pergunta impõe-se: o que espera a União Europeia para consolidar esta relação? Não seria tempo de levar o Canadá a sério? O Canadá é, por todas as razões, o parceiro ideal da Europa. Trata-se de um país com uma democracia madura, instituições sólidas e um modelo económico que, embora assente na exploração de recursos naturais, mantém um equilíbrio notável entre mercado e Estado. Além disso, partilha com a Europa preocupações fund...

Eu não quero saber de política

Imagem
A política? Mas que política? Essa coisa cinzenta, pegajosa, esse nevoeiro que se enfia pelos dias dentro e que toda a gente finge não ver, essa névoa que nos tapa os olhos e que nos entra pelas casas sem bater à porta. Mas não te preocupes, tu não tens nada a ver com isso, claro que não, tu és apenas mais um dos que passam ao lado, dos que não querem saber, dos que suspiram ao ver o telejornal e mudam de canal porque a vida já é difícil o suficiente sem ter de ouvir discursos vazios de homens com fatos bem engomados que nunca precisaram de procurar um médico no público ou de contar os trocos antes de ir ao supermercado. Não, não, isso são preocupações de outros. Se o preço da gasolina sobe e sentes o peso do depósito a esvaziar-te a carteira, isso não é culpa de ninguém, é o destino, é o fado, é o preço da insularidade ou uma dessas expressões ocas que servem para justificar tudo sem explicar nada. Se os produtos no supermercado custam cada vez mais e o carrinho de compras fica mais...

Habitação: Burocracia, Impostos e Desculpas

Imagem
Ontem o Sr. Presidente do Governo voltou a dizer “coisas”. O Sr. Presidente do Governo diz muitas “coisas”. O problema da habitação na Madeira não é um erro de gestão, uma falha pontual ou sequer uma questão de conjuntura económica. É uma consequência natural de décadas de oportunismo, favoritismo e incompetência, uma tragédia anunciada para todos menos para os que vivem a fingir que governam. No meio da euforia do turismo e da falácia do “desenvolvimento sustentável”, a região tornou-se um paraíso para especuladores e um inferno para quem somente quer viver aqui. Os preços das casas dispararam, os salários ficaram onde estavam (ou pior, tornaram-se ainda mais irrelevantes) e as soluções nunca passam de promessas vagas, estudos eternos e comissões inúteis. Mas isto não é um problema novo. É o resultado previsível de um regime que há anos só se preocupa em governar para os seus, deixando o resto entregue à fé e à resignação. Comecemos pelo básico. O licenciamento. Construir na Madeira...

O Prato Vazio: Como a Política Decide o que Comemos

Imagem
Ouvi ontem, na TSF, uma entrevista de Miguel Poiares Maduro. Falava-se de um evento no Museu Soares dos Reis, no Porto. Falava-se de comida. Da comida que nunca é só comida. A dada altura, disse-se: “tudo é comida e a comida está em tudo”. A frase ficou ali, suspensa. A conversa continuou, mas aquela ideia ficou a martelar. Entranhou-se. A comida não é só o que pomos na boca. Está na economia, no poder, no que somos. A conversa foi brilhante, cheia de desvios, cheia de retornos. Daquelas que não acabam quando terminam. Que ficam em nós. A fazer pensar. O que comemos nunca foi apenas comida, nunca foi só pão, carne, fruta, nunca foi apenas o acto banal de mastigar e engolir e seguir em frente, como se tudo aquilo que entra na boca não tivesse antes atravessado um emaranhado de histórias, de interesses, de comandos invisíveis, de dedos gordurosos que contam notas atrás de secretárias pesadas, de engrenagens que giram num barulho surdo, abafado, como o ruído de fundo de um país que não ...

A Circularidade da Política Madeirense

Imagem
Este texto faz também parte da crónica de hoje, publicada no DN Madeira. A Madeira são ilhas e as ilhas têm um destino próprio, fechado sobre si, como um carrossel que nunca pára de girar. A mesma música de feira, a mesma volta, os mesmos cavalos de madeira com a tinta gasta pelos anos. Sempre os mesmos rostos, sempre o mesmo discurso, sempre o mesmo partido, sempre o mesmo chefe, porque o chefe é sempre o chefe, porque se o chefe não fosse chefe outro chefe viria e este chefe foi chefe antes de ser chefe e por isso continuará chefe porque é chefe e ser chefe basta para se continuar a ser chefe. Como um velho relógio de parede que já ninguém ouve, mas que continua a bater as horas numa sala vazia. Governam porque governam, e porque governam, governam bem, e porque governam bem, continuam a governar, e porque continuam a governar, é porque o povo assim quer, e se o povo assim quer, é porque governam bem, e se governam bem, é porque governam, e se governam, então governam bem, e se gover...

A Europa Precisa de um Churchill

Imagem
A Europa precisa de um Churchill, mas Churchill está morto e os que restam são meros funcionários de uma engrenagem sem alma, engravatados que sorriem para as câmaras, gesticulam em cimeiras, assinam papéis e regressam a casa convencidos de que fizeram algo de útil. A guerra, essa, continua. Os mísseis continuam a cair sobre Kiev como se fossem inevitáveis, como se fizessem parte do calendário. Quarta-feira chove, quinta-feira bombardeamentos, sexta-feira mais uma reunião do Conselho Europeu onde se repete que a Ucrânia não será abandonada, que o apoio é firme, inquebrantável, sólido, como se as palavras parassem tanques, como se o inimigo recuasse perante frases bem redigidas e comunicados oficiais. Putin observa e espera. Sabe que a Europa é um organismo doente, de músculos atrofiados, acostumado a uma paz artificial onde os conflitos eram coisas de outros continentes, problemas distantes que se resolviam com sanções simbólicas, notas de protesto, alguma indignação protocolar. Mas ...

"Um fraco Rei faz fraca a forte gente"

Imagem
Luiz Vaz de Camões O problema nunca foi a falta de homens, porque sempre os houve. De ombros largos e mãos calejadas, de rostos gastos pelo sal e pelo sol, de passos que souberam desbravar o desconhecido e erguer muralhas contra o medo. O problema, esse, sempre foi outro. E Camões percebeu-o antes de todos. Com o seu jeito de ver sem precisar de dois olhos, notou o que os outros fingiam não notar: este país, que se iludia com as sombras das glórias antigas, já então cambaleava sobre o peso da sua própria decadência. Portugal construiu-se sobre uma elite. Uma elite de aço e audácia, de marinheiros que preferiam o abismo à estagnação, de guerreiros que achavam a terra mãe uma limitação, de aventureiros que viam na ausência de caminho a possibilidade de um. Mas essa elite desapareceu. Foi esmagada nos campos de Alcácer Quibir, dissolvida nos corredores húmidos da corte, enterrada sob o peso dos sonhos doentios de um rei que nunca voltou. E, sem elite, o que resta? A intriga, o compadrio...

Sermão de um Idiota aos Carneiros

Imagem
à moda do Padre António Vieira, que escolheu os peixes para conversar, porque cada um fala com quem pode. Depois de andar a pregar pelos quatro cantos da terra, o idiota, cansado de falar a homens que, tendo ouvidos, não ouvem, lambeu uma pedra de sal e subiu ao cimo do monte. Abriu os braços, pigarreou para aclarar a voz e bradou, desafiador: — Já que me não querem ouvir os homens, ouçam-me os carneiros! E não aconteceu nada. Nem um lanoso se moveu, nem um chifre despontou sobre a erva. Por quatro vezes repetiu o chamado, e quatro vezes recebeu em resposta apenas o silêncio. Mas, persistente, voltou a abrir os braços e lançou a voz, desta vez tonitruante: — Já que me não querem ouvir os homens, ouçam-me os carneiros! Talvez pelo estremeção do vozeirão, do meio da erva surgiram duas cabeças lãzudas. Magros que só vendo, de sexo indistinguível, subiram, apoiados um no outro, como se temessem que, sozinhos, não fossem suficientes para sustentar um pensamento. O idiota começou a pregar, e...

Como Estragar uma Salada (e um País) com Achismos e Tomates

Imagem
"Conhecimento é saber que o tomate é um fruto. Sabedoria é saber que não se deve usar um tomate numa salada de frutas." O meu avô dizia que um homem sem sabedoria é um homem sem tripas, e eu, miúdo ainda, sem perceber bem o que queria ele dizer com aquilo, imaginava um tipo qualquer dobrado sobre si, vazio, a barriga uma caverna oca onde ecoavam as palavras dos outros, que entravam por um ouvido e saíam pelo outro como se nunca tivessem existido. O conhecimento, esse, qualquer um pode ter. Está nos livros, nos jornais, nas bocas dos professores, nas conversas de café ditas com o ar de quem sabe tudo sobre tudo, num tom de autoridade emprestado por meia dúzia de frases feitas. Saber que o tomate é um fruto não tem mérito nenhum, vem nos manuais de botânica, nas definições que um qualquer burocrata do saber decidiu um dia carimbar como verdade universal. Mas a sabedoria, essa, essa não se ensina, essa vem de outro sítio, um sítio mais fundo, um sítio que só se alcança vivendo...

Vai-te Catar!

Imagem
Não há pachorra. Todos os dias, em todo o lado, aparece mais um iluminado a queixar-se de que “não aceitam a minha opinião”. Pobrezinhos. Frágeis criaturas que vivem num mundo onde discordar deles é uma forma de opressão e refutar os disparates que dizem é um atentado à dignidade humana. A tragédia do nosso tempo não é a ignorância, que sempre existiu. É o facto de os ignorantes agora se acharem uns génios incompreendidos, vítimas de um sistema que teima em não lhes dar razão. Vamos esclarecer isto de uma vez por todas: aceitar uma opinião significa apenas reconhecer que ela existe, o que é uma evidência. Até os delírios mais absurdos existem. Mas reconhecer a existência de uma opinião não obriga ninguém a respeitá-la, muito menos a tratá-la como coisa séria. A verdade é que há opiniões que são só estúpidas, ridículas, sem fundamento ou, na melhor das hipóteses, saídas de uma mente que nunca foi obrigada a pensar dois minutos seguidos. E quando alguém se dá ao trabalho de desmontar a...

Trump: Pilhagem ou Morte

Imagem
Ontem, ao ler no The Telegraph o plano que os Estados Unidos da América entregaram à Ucrânia, tido como a mais recente maravilha da diplomacia americana, fiquei horrorizado. Um contrato de vassalagem disfarçado de “investimento estratégico”, desenhado para transformar a Ucrânia numa espécie de Porto Rico com crateras de artilharia e um governo eleito apenas para carimbar os decretos vindos de Washington. O génio por detrás desta obra-prima de gangsterismo político? O inevitável Donald Trump, o vendedor de casinos falidos, o monarca absoluto do calote, o homem que fez da chantagem um método de governação e da ignorância uma ideologia. Agora, armado de uma tabela e de um instinto predatório que faria corar qualquer CEO de um fundo abutre, Trump resolveu que a Ucrânia lhe deve quinhentos mil milhões de dólares, porque sim, porque os americanos “ajudaram” e querem ver o retorno do investimento. O plano é brilhante na sua brutalidade: Washington apropria-se de metade das receitas futuras da...

Quando eu Morrer

Imagem
Gostava que, depois de morrer, as coisas acontecessem de outra maneira, sem essa urdidura de palavras moles, sem esse veludo pegajoso dos elogios tardios, sem essa procissão de gente contrita a dizer que, afinal, sempre me estimou, que, afinal, até me respeitava, que, afinal, eu era um tipo formidável, um homem de visão, um grande qualquer coisa que ninguém soube reconhecer em vida, mas que agora, na morte, se torna evidente, como um cadáver que flutua à superfície de um rio e, de repente, já não tresanda, já não tem as chagas pútridas, já não é uma coisa feia, mas sim um mártir, um bem-aventurado, um santo instantâneo canonizado pelo silêncio obsequioso dos que respiram. Não quero hagiografias nem necrológios embonecados, nem essa ladainha insuportável de adjectivos ocos, nem essa pressa em me transformar numa estátua. Se fui um cabrão, digam-no. Se fui medíocre, apontem-no sem rodeios. Se tive qualidades, que não as aumentem com essa generosidade postiça que os vivos reservam aos mor...

A Política no Lixo

Imagem
A política madeirense sempre foi um espectáculo peculiar. Durante décadas, vendeu-se a narrativa de uma Autonomia vibrante, uma espécie de “milagre insular” onde a competência e a seriedade governativa justificavam uma hegemonia de quase meio século. Na realidade, o que tivemos foi uma espécie de feudalismo tropical, onde o caciquismo, o compadrio e a corrupção foram elevados a arte de governação. Agora, após décadas a governar a Madeira como se fosse um condomínio privado, o PSD-Madeira, outrora dono e senhor da Região, encontra-se reduzido a um estado de indigência política tal que a sua resposta à decomposição do regime se resume a uma guerra de cartazes com o Chega - um partido que, em boa verdade, não passa de um prostíbulo ambulante com assento parlamentar. O episódio é patético, digno de uma rixa de tasca mal frequentada. De um lado, um PSD em estado de putrefacção avançada, atolado em escândalos e suspeições de corrupção, incapaz de produzir uma ideia que não seja a manutençã...

Liberalismo: Leitura e Reflexão

Imagem
É evidente, embora nem sempre consensual, que a palavra “liberal” é usada descuidadamente por muitos que pouco ou nada têm de verdadeiramente liberais, além do nome. Num mundo ideal, talvez devêssemos exigir que quem se proclama defensor das liberdades liberais tivesse uma base sólida, fruto da leitura de certas obras essenciais. Não por elitismo, mas porque o liberalismo, em toda a sua riqueza e subtileza, só se revela através do estudo sério e aprofundado. Isto não se aprende com frases feitas, vídeos simplistas ou discursos vazios sobre liberdade. O percurso formativo de qualquer liberal deve começar com John Locke e o seu “ Segundo Tratado sobre o Governo Civil” , que estabelece os fundamentos do contrato social e dos direitos inalienáveis do indivíduo. Sem este conhecimento, discutir liberalismo é como falar de poesia sem nunca ter lido um poema. Depois, há Adam Smith, autor de duas obras indispensáveis. “ A Riqueza das Nações” é uma referência óbvia, mas “ A Teoria dos Sentime...

A Inflação Sobe, o Povo Afunda

Imagem
A Madeira, qual feudo encantado de Miguel Albuquerque e companhia, continua a demonstrar que a incompetência, quando bem cultivada, é uma ciência exacta. Os dados do Índice de Preços no Consumidor para Janeiro de 2025 são um verdadeiro monumento ao fracasso: inflação de 3,5%, enquanto no continente se fica pelos 2,4%; uma subida homóloga de 4,3%, contra 2,5% no resto do país. E, claro, como já é tradição, ninguém tem culpa de nada. Os responsáveis deste miserável espectáculo olharão para estes números como se fossem um desastre natural, uma catástrofe inevitável enviada pelos Deuses. Ou, melhor ainda, culparão o “contexto internacional”, essa entidade mítica que serve para tudo, desde justificar a incompetência, o compadrio, a falta de visão, até uma parasitagem institucionalizada. Mas passemos ao detalhe, para que se perceba o requinte do desastre. Os preços dos hotéis e restaurantes subiram 9,0%. Porquê? Porque o turismo, essa vaca leiteira explorada até à exaustão, está nas mãos d...